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28/12/2020O outro lado do espelho: a revitimização pelo sistema de justiça
Por Celeste Leite dos Santos*
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Art. 1°. As disposições deste Estatuto aplicar-se-ão, às vítimas de crimes, desastres naturais e epidemias independentemente da sua nacionalidade e vulnerabilidade individual ou social.
Art 2°. Entende-se por vítima qualquer pessoa natural que tenha sofrido danos ou ferimentos em sua própria pessoa ou bens, especialmente lesões físicas ou psicológicas, danos emocionais ou danos econômicos causados diretamente pela prática de um crime ou calamidade pública. §1°. As disposições desta lei aplicam-se as vítimas indiretas, no caso de morte ou de desaparecimento diretamente causada por um crime ou calamidade pública, a menos que sejam os responsáveis pelos fatos, entendidas estas as pessoas que possuam relação de afeto ou parentesco até o terceiro grau, desde que convivam, estejam aos seus cuidados ou dependam desta.
- 2°. No caso de vitimização coletiva causada pela prática de crime ou calamidade pública serão adotadas medidas especiais de proteção, apoio e desvitimização.
Parágrafo único. Entende-se por vitimização coletiva as ofensas a saúde pública, meio ambiente, sentimento religioso, consumidor, fé pública e demais hipóteses que comprometam seriamente determinado grupo social, independente de sua localização geográfica.
O trato dispensado a vítima pelo sistema de justiça e de saúde pública também foi uma das preocupações centrais do estatuto ao prever medidas preventivas à vitimização secundária, por meio da capacitação contínua dos profissionais que tiverem contato com vítimas, a vedação a repetição injustificada de depoimentos, vedação a realização de perguntas de caráter vexatório de discriminatório, bem como o trato diferenciado às vítimas especialmente vulneráveis, como por exemplo, as vítimas de crimes sexuais, de preconceito de raça, cor, orientação sexual e outros coletivos vulneráveis (arts. 16 a 20).
O projeto também elimina o estabelecimento de prazos para o exercício de direitos pela vítima (prazos decadenciais), pois além do paradoxo de que a perda do direito de punir se dá sem que tenha havido inércia estatal, não são raros os casos em que as vítimas sequer atingiram no ciclo da vitimização consciência do delito que padeceram, fato muito comum nos crimes sexuais. Desse modo, os prazos decadenciais constituem violação aos direitos básicos da vítima como o de informação, comunicação, reparação do dano causado e restauração de sua dignidade.
O estatuto em comento visa incorporar conceito de vítima consentâneo com a vitimização histórica, coletiva e cultural presente nos dias atuais. Para além da vitimização direta e indireta propõe-se a integração da categoria da vitimização coletiva, ou seja, aquela decorrente da prática de crimes e calamidades públicas. O reconhecimento da vítima como sujeito de direitos fundamentais abrange o estabelecimento de um rol mínimo que atue de forma preventiva, especialmente a vitimização secundária, a saber:
Art. 4°. Para os fins desse estatuto são assegurados às vítimas o direito à comunicação, defesa, proteção, informação, apoio, assistência, a atenção, ao tratamento profissional, individualizado e não discriminatório desde o seu primeiro contato com profissionais da área da saúde, segurança pública e que exerçam funções essenciais de acesso à justiça, à colaboração com as autoridades policiais, Ministério Público e Poder Judiciário, sendo garantida sua efetiva participação e acompanhamento mesmo após a cessação do tratamento de saúde ou julgamento do processo criminal.
A conscientização de que todos os atores do sistema de justiça e de saúde devem atuar de forma colaborativa põe em evidência que a responsabilidade pela obtenção da justiça social não pode ser relegada apenas ao Poder Judiciário. Tal como os demais poderes o Poder Judiciário se submete a controle dos destinatários de sua atuação: a sociedade. Há, portanto, interesse público na manutenção do princípio constitucional da publicidade dos atos processuais previstos no art. 5°, LX da Constituição Federal e, qualquer tentativa de alteração legislativa desse princípio constitucional coloca em risco a legitimidade do Poder Judiciário e, por conseguinte, a permanência do Estado Democrático que se caracteriza pela existência de poderes independentes e harmônicos entre si. A Constituição, portanto, prioriza a transparência, o interesse coletivo e a informação.
O sistema de proteção à vítima tem por objetivos garantir a vida, a integridade física, a segurança, a liberdade e a indenidade sexual das vítimas e de seus familiares, e salvaguardar sua intimidade, dignidade e dos riscos da vitimização secundária ou reiterada.[2]
A proteção em sentido estrito se refere à proteção da vítima no, através[3], em resp
A prevenção à vitimização demanda a adoção do modelo de bem-estar total, com comprometimento de todos as instâncias formais e informais de controle social. O desafio do século XXI é a integração dos saberes e dos indivíduos em um só corpo. A colaboração entre todos as instituições integrantes do sistema de justiça possui o condão de corrigir disfunções não previstas pelo Estado de Bem-Estar Social, mas que a sociedade brasileira ainda se encontra em estágio infantil de aprendizado. De forma oposta ao ativismo puramente judicial em que a atuação do Poder Judiciário atua sobre os demais poderes, o espaço extrajudicial de controle social com a articulação estratégica de setores da sociedade civil tem o condão de caminhar rumo a uma obtenção de justiça social, dentro dos parâmetros estabelecidos pela Constituição Democrática.
*Celeste Leite dos Santos, Promotora de Justiça Gestora do Projeto Avarc (Acolhimento de Vítimas, Análise e Resolução de Conflitos), Coordenadora do Grupo de Trabalho do Projeto de Lei de Estatuto da Vítima proposto pelo Deputado Rui Falcão (Projeto de Lei n. 3890/2020), Autora do Livro Injusto Penal e Os Direitos das Vítimas de Crimes. Curitiba: Juruá, 2020.
BIBLIOGRAFIA
BITTENCOURT, Edgard de Moura. Vítima. São Paulo: Editora Universitária de Direito Ltda, 1978.
BRASIL. Projeto de 3890/2020 – Institui o Estatuto da Vítima. Disponível em: https://www.camara.leg.br/
SANTOS, Celeste Leite dos. Injusto Penal e os Direitos das Vítimas de Crimes. Curitiba: Juruá, 2020. São Paulo. Editora Universitária de Direito Ltda, 1972.
KUNZ, Ana. Percepción social de la administración de la justicia. In: Documento de Trabajo, 2005, v. 132, p. 19. Disponível em: http://repositorio.ub.edu.
[1] https://theintercept.com/
[2] Ibidem, p. 145.
[3] Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de outubro de 2012 que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade; Ley 4/2015, de 27 de abril, del Estatuto de la víctima del delito (LEVD). Disponível em: https://www.boe.es/buscar/act.