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26/03/2021
Ausência de leitos em UTI na saúde privada e consequências aos planos de saúde
Fernando Bianchi*
26 de março de 2021 | 08h40
Há um ano, houve falta de leitos nos hospitais públicos, enquanto os hospitais particulares não sofreram tanto. Atualmente, a escassez de leitos além do âmbito público que apresenta números alarmantes (Ex: Santa Casa de SP 100% e Emílio Ribas 90% – leitos de UTI para Covid 19) chegou ao âmbito privado com as unidades particulares operando com mais de 90% de ocupação. E tal situação é sim de extrema gravidade, considerando que a falta de leitos está totalmente relacionada ao aumento da taxa de mortalidade da doença no Brasil.
Estudo conduzido por pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e pela startup brasileira Kunumi, tornada pública no final de setembro do ano passado, já expunha a dimensão deste problema. O trabalho nos mostrou índice de 58% de influência da falta de leitos na taxa de mortalidade da doença no Brasil. Número igual ao verificado no Equador e na Itália e superior ao encontrado na Espanha (52%). Na pesquisa, o Brasil só ficou atrás de outros três na questão da falta de leitos: Reino Unido (62%), México e Nigéria (ambos com 71%). Vejam aqui: https://covid-19.kunumi.com/#/velocity/BR. Atentem que podemos acompanhar estas variáveis com atualizações muito frequentes.
Portanto, não foi nenhuma surpresa no corrente mês o secretário municipal de Saúde de São Paulo, Edson Aparecido, declarou à Rádio CBN, o pedido de empréstimo de leitos de UTI, feito pelos hospitais privados. Alguns justificaram tal pedido, informando que se destinariam a pacientes sem plano de saúde, porém é fato que as vagas estão acabando também para pacientes particulares, o que afeta o mercado da saúde privada representada pelos hospitais particulares e as operadoras de planos de saúde.
Tal situação poderá ensejar graves consequências às operadoras de planos de saúde privados, considerando que essas poderão não ter condições de cumprir suas obrigações contratuais de coberturas assistenciais. Atualmente, já é sensível o aumento do número de Notificações de Intermediação Preliminar (NIP’s) perante à Agencia Nacional de Saúde Suplementar (ANS), tratando do tema. E isso poderá ensejar autuações do órgão regulador por não garantir cobertura obrigatória aos seus beneficiários, como por exemplo – a lavratura de autos de infração com imposição de multas expressivas.
O crescimento exponencial de reclamações pode inclusive provocar rebaixamento da nota da operadora e a suspensão da comercialização de produtos com o consequente impedimento de novos registros. Há também o risco exponencial de crescimento de ações judiciais, tanto no aspecto preventivo – para assegurar vagas em leitos, como para compelir a disponibilização de leitos a qualquer custo e preço.
O risco a imagem e credibilidade da operadora de planos de saúde, também é preocupante. A ausência de segurança quanto ao direito de cobertura, ainda pode provocar uma evasão de vidas da carteira ou mesmo uma inadimplência coletiva.
Assim, o que as operadoras devem fazer diante desse cenário?
Primeiro, elaborar um comunicado geral através das mídias da operadora no sentido de reforçar as recomendações sanitárias, tais como “fiquem em casa”, “utilize máscaras e álcool em gel”, “evite aglomerações”, “utilize a telemedicina”, bem como, alertando o fato de que devido a limitação de recursos nos serviços de saúde, provocado pelo agravamento da pandemia, a procura de serviços médicos e hospitalares de forma presencial deve se dar em situações de efetiva necessidade.
Segundo, na hipótese concreta de ausência de disponibilidade de leitos em UTI na rede credenciada/prestadores: procurar leitos fora da rede credenciada; subsidiariamente, procurar leitos na rede pública – Sistema CROSS (Centro de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde). E se mesmo assim, não for encontrada a vaga: proceder a emissão formal das respectivas autorizações de cobertura, bem como o registro da respectiva ciência do beneficiário; registrar e arquivar as comunicações dos respectivos prestadores da rede e nos hospitais fora da rede credenciada, sobre a ausência de leitos; registrar e arquivar as tentativas de localização e obtenção dos leitos;
Tal protocolo visa documentar as operadoras e fortificar a apresentação futura de justificativas plausíveis sobre a impossibilidade material de cumprimento do contrato e da legislação regulatória, diante da excepcional situação trazida pela pandemia, assim como afastar o descumprimento contratual e as respectivas penas decorrentes que poderão advir de reclamações dos beneficiários e autuações do órgão regulador.
O que as operadoras não devem fazer é também muito relevante. Por exemplo, expedir comunicados coletivos a sua carteira de beneficiários, informando ausência de leitos ou recursos para as coberturas assistenciais. Isso porque tal comunicado trará um sentimento de insegurança coletiva, inclusive para aqueles beneficiários que possivelmente sequer serão infectados pelo COVID ou mesmo vão ter utilização em razão de outras enfermidades.
Não devem também suspender atendimentos eletivos ou restringir coberturas apenas para situações de urgência e emergência. Isso porque, ao contrário do que a ANS fez há um ano, que expressamente suspendeu a obrigação das operadoras de cumprir os prazos máximos de atendimento da RN/ANS 259, assim como de cirurgias e exames eletivos, atualmente já se manifestou no sentido: (i) ausência de autorização de suspensão de procedimento e atendimentos eletivos.; (ii) ausência de relativação dos prazos da RN/ANS 259 e (iii) necessidade de documentação robusta para justificar eventuais impossibilidades de atendimento aos beneficiários.
Portanto, reitere-se, suspensão ou limitação de atendimentos eletivos, ainda que justificável, podem provocar infrações e autuações.
Outra situação impensável especialmente agora é deixar de responder toda e qualquer reclamação de seus beneficiários, seja no SAC, Ouvidoria ou redes sociais. É preciso acolher os beneficiários nesse momento de insegurança. Importante lembrar que a pessoa que tem um plano de saúde precisa ter a sensação de segurança assistencial.
E ainda mais relevante. Na hipótese de ausência de leitos, não empurrar o problema para debaixo do tapete, através de postura protelatória. Eventuais situações de ausência de leitos devem ser tratadas individualmente, com auxílio de seus departamentos médico e jurídico, para não ensejar tumulto na carteira de beneficiários e insegurança coletiva.
Não é correto que as operadoras de planos de saúde, que se servem de hospitais privados, de rede própria ou credenciada/referenciada, que por sua vez, enfrentam a escassez de vagas em UTI e escassez de insumos, respondam por dificuldades em cumprir seus contratos e consequentemente pesadas autuações por parte do órgão regulador, que simplesmente não decorrem de suas decisões ou ingerências. Nesta situação, muito da responsabilidade é do governo federal, que além de não ter número suficiente de leitos de UTI, requisitou para si todo o estoque de insumos existente no mercado, colapsando ainda mais o setor privado.
*Fernando Bianchi, advogado. Especialista em Direito da Saúde pela Universidade de Coimbra/PT, sócio de Miglioli e Bianchi Advogados, membro da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB/SP