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29/06/2021Efeitos Jurídicos da modulação do STF na exclusão do ICMS para apurar PIS e Cofins
Os efeitos jurídicos da decisão do Supremo Tribunal Federal que modulou o alcance da decisão sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Confins extrapolam o caso julgado ontem, 13/05/2021. Numa primeira observação sobre os conceitos utilizados, o contexto nos quais foram aplicados, as referências citadas e a recorrente utilização de subterfúgios para fundamentar argumentos contra situações factuais, pode-se entender o leimotiv para expressar preocupação dominante em equilibrar política e financeiramente mais uma disputa gerada pelo Estado.
O que deve ficar claro é que, ao contrário do discurso prevalecente, a decisão do STF não impôs perda de estimados 230 bilhões de reais ao Estado. A modulação determina critérios para a devolução do que foi arrecadado indevidamente. E, infelizmente, afeta o direito dos titulares de 50 mil ações judiciais propostas pelos contribuintes após a decisão de 2017, como proclamado pelo Min. Alexandre de Moraes.
Estas 50 mil empresas são de médio porte, que por falta de recursos, falta de estrutura de informação ou insegurança em ingressar antes de um pronunciamento do STF, aguardaram que a Suprema Corte sinalizasse o que fazer sobre esta disputa. E a decisão foi de que a forma de cálculo exigido pela Receita Federal estava errada, que, portanto, estava ocorrendo cobrança e arrecadação irregulares e que, conforme expressa lei ordinária, as empresas têm o direito de requerer a devolução destas verbas.
Após quatro anos, depois de muito “zigue zague” jurisprudencial acerca da discussão sobre tributo poder incidir sobre tributo (“efeito cascata”) e quais os limites em nosso ordenamento, o STF fechou o tema em 2017, contudo, outros dois foram propostos, em decorrência daquele julgamento, pela União Federal, em sede de embargos: (i) a modulação de efeitos; (ii) o esclarecimento sobre qual o valor de ICMS deveria ser excluído da base do PIS e da Cofins, o valor líquido recolhido ou o valor bruto destacado na nota.
Sobre esses dois pontos, o STF decidiu, a partir do voto da relatora, Min. Carmen Lúcia, que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade devem ser modulados. Seguida pelos Ministros Alexandre de Moraes, Luiz Roberto Barroso, Dias Toffoli, Lewandowski, Fachin, Marco Aurélio e Rosa Weber (com divergência dos Ministros Gilmar Mendes, Kassio Nunes e Luis Roberto Barroso. (Ver detalhes no quadro abaixo)
Pontos Chave
A decisão, a partir das manifestações dos ministros, contém aspectos centrais para a discussão sobre a cidadania tributária do país.
- A relativização dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade (nulidade), a partir do julgamento em 2017 pelo STF, conforme proposto pela Min. Relatora Carmen Lúcia e acatado por maioria pela Corte Suprema, confere o direito aos contribuintes de excluir e restituir por integral o valor do ICMS da base do PIS e da Cofins apenas a partir de março de 2017. Contudo, em relação ao passado, apenas os contribuintes que já possuíam ação ajuizada antes do julgamento de 2017 poderão exercer o direito à restituição ou compensação de valores pagos indevidamente antes dessa data (março de 2017 para trás, relativo a pagamentos efetuados cinco anos antes do respectivo ajuizamento).
Assim, por exemplo, uma empresa que tenha ingressado com ação judicial em março de 2018, somente terá um ano a restituir (até março de 2017), não podendo retroagir a março de 2013, como aquela que, tendo ingressado, por exemplo, em fevereiro de 2017, poderá retroagir até fevereiro de 2012.
- Para a maioria dos ministros, todos os contribuintes podem se beneficiar do entendimento a partir do dia 15 de março de 2017, o que reduz o impacto da decisão para a União. Isso significa que os contribuintes podem se beneficiar da decisão desta data em diante.
- Essa situação tem o seguinte contrassenso: retira o direito do contribuinte que não ingressou com ação judicial justamente porque não tinha estrutura e informação adequadas (advogados, consultores etc.) ou porque, mais cauteloso, aguardou um posicionamento final do STF para não correr riscos, mediante a plêiade de ações e temas tributários que pululam o cenário jurídico do país, de perda de ações, de incorrer em custos incertos, de ônus de sucumbência, dentre outros.
- Com isso, o STF vai na contramão do CNJ e dos movimentos de diminuição de litígios que hoje sabidamente afogam o próprio Poder Judiciário, na medida em que todos os contribuintes terão que ficar propondo medidas judiciais para, no mínimo e por precaução, não perderam o direito de exercitar o seu direito no futuro. A lógica é perversa à paz tributária e à boa-fé do contribuinte.
- A modulação em favor da Fazenda em matéria tributária premia a irresponsabilidade do gestor público. Segundo o Ministro Fux, no julgamento em análise, o número expressivo de modulações gera estímulo a inconstitucionalidade “conveniente e útil”. Ou, nos dizeres mais agudos de Fachin, não se pode validar a ““displicência” do gestor e “imputar aos contribuintes o ônus de arcar com valores que foram indevidamente arrecadados”. Contudo a Corte entendeu por bem modular, fundando-se ora em questões de interesse social excepcional, confundindo, interesse financeiro com interesse social ou público.
- O fundamento jurídico invocado pela União não pode ser o interesse social, pois ele não se confunde com o interesse financeiro. Segundo Min. Fachin e Min. Rosa Weber, importante distinguir segurança financeira de segurança jurídica. O interesse social está atrelado “não à segurança orçamentária, mas à segurança jurídica, base do Estado Democrático de Direito”. Esse posicionamento deve ser mais bem examinado nas próximas modulações, já que elas são uma tendência doravante, mesmo que com cautelas na seara fiscal tributária.
- Nessa linha, ainda, o Min. Marco Aurélio ressalta que a modulação amplia muito o poder do STF e que se há manicômio tributário ele se deve à voracidade do Estado e a insegurança jurídica que o STF deve reparar. Outros passos devem e precisam ser dados neste aspecto, pois o STF deve buscar sempre a segurança jurídica do contribuinte em primeiro lugar, sobretudo se ela for qualificada porque tem como causa contribuintes de menor porte, mudança de jurisprudência ou precedentes vinculantes em repetitivo.
- Preocupou, embora sem prevalecer, a tese do Ministro Gilmar, que, citando o jurista português Casalta Nabais e o espanhol Eduardo García de Enterría, postulou a “impositividade de se modular”, ou seja, que o juiz responsável não declara inconstitucionalidade para não provocar o caos. Segundo ele, essa situação não se configuraria consequencialismo judicial porque faz parte da própria força normativa da Constituição coibir o caos. A modulação compõe o próprio sistema de Estado de Direito, na versão mais em prol da segurança jurídica do que da legalidade formal. Essa posição preocupa para futuras modulações, sobretudo porque não leva em conta que o modelo europeu de sociedade e produção de leis não passa pelo teste de exame de constitucionalidade constante como o nosso – e quando passa, geralmente não é maciçamente reprovado como o nosso. Outra realidade social e normativa, outro viés interpretativo.
- Nesse cenário de “caos” (Min. Gilmar) e “manicômio” (Min. Marco Aurélio), o que foi bom?
- Sem dúvida, o melhor ponto foi não apenas garantir o direito à restituição aos contribuintes que ajuizaram ação antes de 2017, a partir de cinco anos antes da propositura da referida ação judicial, mas, sobretudo, que se fixou ao menos um norte em matéria de modulação de efeitos na área tributária.
- Todo os ministros voltaram ao passado para fazer uma retrospectiva da força da jurisprudência e como ela estava cristalizada, restando fixado o elo entre os seguintes aspectos: mudança de jurisprudência dominante – quebra de segurança jurídica – aplicação do art. 927, parágrafo 3º. do CPC – necessidade de modulação de efeitos.
- Em outros dizeres, fixou-se que o pressuposto autorizador inarredável para a modulação é a segurança jurídica e que a quebra do fluxo jurisprudencial a afeta diretamente, sobretudo em casos de decisões em repetitivos ou repercussões gerais, que têm efeitos vinculantes.
- Lembramos que a segurança jurídica em decisões de repetitivos deve ser ainda mais evidente, pois estes têm natureza de precedente vinculante decorrente de lei. A segurança jurídica decorrente de mudança jurisprudencial é segurança jurídica especial, pois não decorre apenas da lei, mas da interpretação técnica e reiterada dos tribunais sobre a lei.
- Na decisão em análise, o Ministro Fachin se referiu à segurança jurídica como sinônimo da “proteção a confiança, calculabilidade e cognoscibilidade. A Min. Rosa Weber, a seu turno, pontuou, em brilhante voto, sobre o “estado de estabilidade necessária para fundar a segurança jurídica”. Adiante traz conceitos importantes como o da “probabilidade de confiança justificada”. “Sempre esteve ao lado do contribuinte a probabilidade do direito alegado”, sustenta, citando, ainda, o conceito de zona de penumbra – de autoria do Prof. Luiz Guilherme Marinoni – aplicado ao campo das decisões do STJ ante o STF: “Ao decidir, o STJ agrega conteúdo à ordem jurídica vinculante, que deixa, assim, de constituir sinônimo de ordem legislada. Por consequência, a “decisão” da Corte passa a orientar a vida em sociedade e a regular os casos futuros. Se a Corte reconstrói o produto do legislativo para atribuir sentido ao direito, a igualdade, a liberdade e a segurança jurídica apenas não serão violadas se o precedente instituído for respeitado pelos juízes e tribunais inferiores. De modo que a obrigação de respeito é tão somente consequência da função contemporânea da Corte” (genjuridico.com.br15/4/19)
- O pano de fundo foi a estabilidade jurisprudencial sobre o tema. O Min. Fux e a Min. Rosa Weber destacaram bem isso. “Organizou-se um quadro caótico que nos deparamos sobre a interpretações na própria seara judicial”, constatou o Min. Gilmar Mendes. O STF agora precisa manter isso para não mudar a jurisprudência sobre a fixação de critérios para modulação de efeitos da própria jurisprudência, e não cair, assim, numa “espiral hermenêutica” condutora ao “caos e ao manicômio” que hoje, reiteradas vezes, ele próprio sustentou que estava rechaçando.
- Prevaleceu o entendimento, favorável ao contribuinte, de que a base de cálculo a ser excluída a título de ICMS é efetivamente o valor bruto destacado na nota e não o valor líquido (efetivamente pago).
- A decisão, mesmo a partir de março de 2017, contudo, não tem efeito “erga omnes” (a norma abstrata não foi retirada do mundo jurídico, o que demandaria resolução do Senado Federal), lembrando que não se trata de Ação Direta de Inconstitucionalidade, mas sim de decisão em sede repercussão geral, com efeito vinculante para as demais instâncias do Poder Judiciário. Portanto, cada contribuinte deve buscar, se ainda não o fez, a sua respectiva medida judicial.
- Atenção deve ser dada para o voto do Min. Fux, Presidente da Corte, que pontuou que a segurança jurídica é um “fator relevante de investimento no país” e deve servir o contribuinte particular, o capital estrangeiro e o nacional.
- Assiste razão a ele, senão na modulação ou assertiva sobre a falta de força global em prol de vencer a pandemia, mas com certeza na situação de o Princípio da segurança jurídica ser um fator relevante de investimento no país e, complementando, de fomento da estabilidade das decisões judiciais na vida das pessoas.
Por Halley Henares Neto, presidente da ABAT – Associação Brasileira de Advocacia Tributária
NETO, Halley Henares. Efeitos Jurídicos da modulação do STF na exclusão do ICMS para apurar PIS e Cofins. Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 24 Jun. 2021. Disponível em: investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-tributario/338480-efeitos-juridicos-da-modulacao-do-stf-na-exclusao-do-icms-para-apurar-pis-e-cofins. Acesso em: 30 Jun. 2021