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04/08/2021Ação rescisória e vedação de crédito em ações julgadas antes de o STF modular ICMS no PIS-Cofins
Leandro Machado e Marcelo Marques Júnior*
04 de agosto de 2021 | 07h00
Leandro Machado e Marcelo Marques Júnior. FOTOS: DIVULGAÇÃO
No mês de maio de 2021, o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706 – Tema 69 –, relativo à discussão sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS. Tal tese já havia sido julgada em 15 de março de 2017, ocasião em que o STF determinou a não inclusão do ICMS na base de cálculo das referidas contribuições, eis que os valores recebidos pela empresa relativos a esta rubrica não seriam receitas dela, mas do Estado.
Pendia, todavia, a análise de Embargos de Declaração opostos pela União Federal, que se pretendia a reanálise da matéria, sob a justificativa de ausência de clareza sobre “qual ICMS deveria ser excluído das bases de cálculo”: se o efetivamente pago ou se o destacado na nota fiscal. No mesmo recurso, a União Federal buscou a modulação de efeitos da decisão proferida em 2017, a fim de limitar o direito à compensação pelos contribuintes.
Neste cenário, na análise do referido recurso, o Supremo Tribunal Federal fixou que o ICMS que deverá ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS é o ICMS destacado nas notas fiscais; bem como que os efeitos da decisão serão “ex nunc”, com marco na data do julgamento do mérito do Tema 69, qual seja 15 de março de 2017, excepcionando os processos que tenham sido ajuizados até a data do julgamento referenciado.
Ocorre que, entre a data do julgamento do mérito do Tema 69 – março de 2017 – até a data da referida modulação de efeitos – maio de 2021 –, diversas ações judiciais já haviam transitado em julgado, conferindo aos contribuintes a segurança de imutabilidade da decisão, nos termos do artigo 502 e seguintes do Código de Processo Civil, mantidos sob a guarida do inciso XXXVI, do artigo 5º da Constituição Federal.
Nesse sentido, a referida modulação dos efeitos da decisão para limitar o gozo da compensação, sem qualquer manifestação expressa sobre as empresas que ajuizaram suas medidas judiciais posteriormente ao referido julgamento e já haviam obtido o trânsito em julgado, é crescente o receio de adoções de medidas pela União Federal para desconsideração dos créditos oriundos de tais decisões, seja pelo indeferimento de pedidos compensação, ou mesmo pelo ajuizamento de ações rescisórias.
Todavia, é prudente que se observe que a partir do julgamento do mérito do Tema de Repercussão Geral nº 69, os tribunais pátrios, liderados pelo Supremo Tribunal Federal já reconheciam a integral aplicabilidade da matéria, sem a necessidade de aguardar eventual modulação de efeitos.
Cite-se, como exemplo, a decisão proferida na Reclamação nº 30.996 TP / SP – julgada em 09.08.2018 –, apresentada pela União Federal visando a não aplicação da tese firmada via julgamento do Tema nº 69 antes da modulação de efeitos. A resposta do STF neste caso foi categórica ao afirmar que o referido entendimento era desde logo aplicável, frisando-se que o entendimento firmado em sede de repercussão geral seria aplicável desde a publicação do respectivo acórdão, sendo desnecessária a constatação do trânsito em julgado do paradigma de confronto.
Neste mesmo sentido, foi o julgamento Rcl 35572 AgR-AgR, julgado em 22/06/2020, DJe em 20/10/2020 e tantos outros recursos postos à análise do STF, como, por exemplo, o RE 954262, julgado em 20/08/2018, DJe-173 22/08/2018.
Mesmo no Superior Tribunal de Justiça, que possuía entendimento firmado em sentido diverso – Recursos Repetitivo nº 1.144.4969 -Tema 994 –, a tese vinha sendo adotada, como se vê dos julgamentos dos Recursos Especiais nº 1.536.341/BA – Dje 18/04/2017 –; REsp nº 1536378 / GO – Dje 19/04/2017 –; REsp nº 1.547.701/MT – Dje 19/04/2017 – bem como todos os demais recursos posteriores.
Como não poderia ser diferente, os Tribunais Regionais Federais mantinham o posicionamento, nesse sentido a Apelação nº 5000433-25.2017.4.03.6103, Dje 13/11/2019, do TRF 3ª Região; a Apelação – Remessa Necessária nº 501384779.2017.4.04.7100/RS, do TRF 4ª Região, entre tantas outras.
Frise-se que tais decisões foram tomadas num contexto em que a União reiterava pedidos de suspensão do processo, com o fim de aguardar o derradeiro julgamento ocorrido recentemente.
Logo, inegável a formação de verdadeira jurisprudência no período de 2017 a 2021, pela qual a tese de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS poderia ser imediatamente aplicada, sem qualquer barreira modulativa ou necessidade de se aguardar eventual análise nesse sentido, inclusive por força do que prevê o §12º do artigo 525 e 926 e seguintes do Código de Processo Civil.
Logo, a decisão que modula os efeitos de tal tese de repercussão geral, em verdade, impõe aos tributais, inclusive ao STF, a modificação da jurisprudência e das orientações gerais anteriormente adotadas, mediante as restrições já indicadas.
Ou seja, existe, de fato, uma nova regra a ser seguida pelos Tribunais, por força do artigo 927 do CPC, que efetivamente imporá a mudança da jurisprudência. Em tal situação – mudança de entendimento jurisprudencial, acerca do cabimento de ação rescisória pela União Federal, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou, por meio da Ação Rescisória 2.297, por meio do qual reafirmou jurisprudência sobre não cabimento de ação rescisória por mudança de entendimento.
Neste julgamento o Ministro Edson Fachin citou o entendimento firmado via o tema 136, segundo o qual: “Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente.”
Cumpre indicar que a Súmula/STF 343, possui conteúdo normativo similar, visto que expressa o entendimento da Suprema Corte pelo não cabimento de ação rescisória por ofensa à literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.
Isto posto, vê-se que a jurisprudência formada entre 2017 e 2021 possui evidente amparo no entendimento firmado pelo STF, que, inclusive, colaborou para a sua formação, de modo que, as decisões transitadas em julgado antes da mudança na orientação jurisprudencial, atinente à modulação de efeitos, não poderá alcança-la sob pena de ofensa aos dispositivos legais citados que refletem a proteção ao ato jurídico e perfeito e à coisa julgada, bem como à jurisprudência vigente à época, cujo resguardo se impõe como garantia de manutenção da segurança jurídica.
Pelos mesmos fundamentos, mormente considerando os requisitos legais para a compensação tributária, prescritos pelos artigos 170-A do CTN, bem como 74 da Lei nº 9.430/96 e IN/RFB nº 1.717/2017, vê-se a impossibilidade de vedação de gozo das referidas decisões transitadas em julgado para a compensação tributária pleiteada na via administrativa.
Diante de todo o exposto, dentro da linha de raciocínio adotada, conclui-se pelo não cabimento de ação rescisória em face de decisões que transitaram em julgado anteriormente ao julgamento que definiu a modulação dos efeitos do Tema nº 69/STF, que tenham sido ajuizadas posteriormente à 15/03/2017, bem como que eventuais limitações à compensação, na via administrativa, igualmente não merecerão amparo, eis que tais decisões firmaram-se em sintonia com a jurisprudência da época, nos termos acima indicados.
*Leandro Machado, sócio da ABAT – Associação Brasileira de Advocacia Tributária. Presidente da Comissão de Assuntos Tributários e Defesa dos Contribuintes – OAB Santo André
*Marcelo Marques Júnior, sócio da ABAT – Associação Brasileira de Advocacia Tributária. Secretário da Comissão de Assuntos Tributários e Direito dos Contribuintes de Santo André (2018-2022)