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23/08/2021O novo entendimento da Receita Federal para a ‘tese do século’
22 de agosto de 2021, 11h21
Finalizado o tão aguardado julgamento da tese “exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins”, no dia 13 de maio, os ministros do Supremo Tribunal Federal confirmaram a exclusão do ICMS destacado na nota fiscal para fins de cálculo do PIS e da Cofins a recolher, modulando os efeitos da decisão para após 15/3/2017, data em que foi julgado o mérito do RE 574706, ressalvadas as ações judiciais ajuizadas até a referida data.
O que parecia ser uma conclusão para a “tese do século” deu origem a novos entendimentos perfilhados pela Secretaria da Receita Federal. Dessa vez, a estratégia da Receita Federal, que poderá reduzir o impacto bilionário da exclusão do ICMS na apuração dos débitos de PIS e Cofins, consiste na adoção do mesmo critério firmado no RE 574.706 para cálculo dos créditos decorrentes da aquisição de bens e insumos.
Na prática, a Receita Federal entende que as empresas que estão excluindo o ICMS na nota de venda das mercadorias e, consequentemente, da apuração dos débitos de PIS e Cofins, também deveriam excluir o imposto estadual na entrada dos bens utilizados como insumo — que geram créditos de PIS e Cofins, refletindo, então, na tomada de crédito a menor e consecutivo aumento do débito das contribuições.
O recente entendimento da Receita Federal é facilmente notado quando da edição da IN nº 1.911/2019, que revogou o inciso II do §3º do artigo 8º da IN nº 404/2004, enunciado este que garantia aos contribuintes a apuração do crédito da não cumulatividade sobre todo o custo de aquisição de bens e serviços, incluindo o ICMS que está embutido nas notas fiscais de compra.
Segundo o texto que constava da IN nº 404/2004, o ICMS integrava o custo de aquisição dos bens e serviços para fins de cálculo do crédito de PIS e Cofins. No entanto, o artigo 167 da IN 1.911/2019, norma que sobrepôs àquela, ao mencionar os valores que integram a base de cálculo dos créditos básicos de aquisição, foi omisso em relação à inclusão do ICMS, reservando-se à menção expressa apenas do “seguro e do frete pagos na aquisição, quando suportados pelo comprador; e do IPI incidente na operação, quando não recuperável”.
Ocorre que a omissão da Receita Federal, cumulada com sua intenção já noticiada de revisar as bases de cálculo do crédito adotadas pelos clientes que se utilizaram do novo entendimento do STF, viola, já em um primeiro momento, o princípio constitucional da estrita legalidade e da tipicidade em matéria tributária, uma vez que qualquer descrição do fato gerador do crédito e do débito, necessário à tributação, deve reservar-se ao disposto em lei.
Significa dizer que a publicação de uma norma infralegal da Receita Federal não pode modificar critérios identificadores do fato jurídico tributário e da relação jurídica tributária, os quais, no caso discutido, estão plenamente desenhados nas Lei nºs 10.833/2003 e 10.637/2002, que, diga-se de passagem, não sofreram alteração.
Ao analisar essa “nova tese” da Receita Federal, é importante ter em mente que a exclusão do ICMS da saída decorreu de entendimento sedimentando pelo STF após os contribuintes recorreram ao Poder Judiciário. Julgamento este que nada restou definido (sequer mencionado) sobre a restrição no creditamento da entrada.
Ora, a inclusão do ICMS na base de cálculo dos créditos de PIS e Cofins, assim como a inclusão do IPI — ainda reconhecido expressamente pela Receita Federal — decorre do fato de que o ICMS compõe o preço da mercadoria adquirida — cálculo por dentro já declarado constitucional pelo STF no RE 212.209, que manteve a vigência do artigo 13, §1º, I, da LC 87/1996. Logo, compondo o custo aquisição, deve ser igualmente integrado na composição no cálculo dos créditos de aquisição.
Ainda, não pode ser esquecido que as Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03, que dispõem sobre o cálculo do crédito, não vinculam o crédito a quanto especificamente incidiu de PIS e Cofins na operação anterior, tanto por isso que uma empresa pode se apropriar de créditos em 9,25%, ainda que seu fornecedor tenha recolhido à alíquota de 3,65%.
Diferentemente do que a Receita Federal tenta fazer crer, a metodologia é fruto da própria não cumulatividade do PIS e da Cofins que, diferentemente do IPI/ICMS (tributo contra tributo), permite a desoneração da cadeia produtiva das empresas, autorizando o crédito sobre qualquer insumo utilizado em sua produção ou prestação de serviço, considerando o valor total da nota, incluindo o ICMS, isso porque o imposto é um custo enfrentado pelo contribuinte.
Além disso, vale lembrar que um dos argumentos utilizados no julgamento da “tese do século” pelo ministro Marco Aurélio e pela ministra Rosa Weber, para fixar a tese da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, foi a não incidência dessas contribuições sobre o IPI. Valendo-se desse entendimento, o tratamento conferido pela Receita Federal aos valores de IPI deve ser o mesmo para o ICMS, preservando-se a harmonia do sistema.
Pergunta-se: qual a diferença do entendimento publicado pela Solução de Consulta Cosit nº 579/17, em que a Receita Federal reconheceu que o IPI deve compor a base de cálculo do crédito do PIS e da Cofins, por se tratar de custo do adquirente, com a parcela de ICMS que também integra o custo da compra?
É extrema importância entender que a atividade arrecadatória da União está adstrita ao disposto em lei, de modo que o nascimento da incidência tributária não depende da vontade das autoridades fiscais, devendo ser exercida da maneira mais uniforme e fiel possíveis ao texto legal, por uma questão de segurança jurídica e legitimidade do próprio sistema de arrecadação. Assim, não pode ser permitida a restrição do direito do contribuinte na tomada de crédito sem a efetiva previsão da legislação tributária, tal como deseja com a Receita Federal com a exclusão do imposto estadual na entrada dos bens utilizados como insumo.
https://www.conjur.com.br/2021-ago-22/albuquerque-entendimento-receita-tese-seculo