Em palestra sobre reforma política, Barroso defende um “presidencialismo atenuado”
20/05/2016Redução de custo é alvo do escritório paulista Castilho & Scaff Manna
24/05/2016
Toro Advogados
Veiculado na Revista Consulex Digital
01/04/2016
Desrespeito da Justiça à Constituição pode quebrar saúde privada do Brasil
As decisões judiciais que obrigam as operadoras dos planos de saúde privados a cobrir procedimentos não estabelecidos na legislação podem inviabilizar o setor no país e prejudicar o atendimento aos usuários. À Consulex, José Luiz Toro da Silva, sócio fundador da Toro Advogados Associados, afirma que a Justiça brasileira tem contrariado flagrantemente a Constituição Federal ao deixar de aplicar devidamente a distinção entre as prestações de serviços da assistência privada e do sistema público de saúde. Com isso, o setor já sofre prejuízos bilionários, que tendem a aumentar com o volumoso crescimento de processos judiciais relacionados à saúde – atualmente há, no mínimo, 400 mil casos envolvidos na matéria. Especialista no atendimento às empresas do mercado médico-hospitalar, operadoras de planos de saúde e odontológicos, o advogado defende o sopesamento do assunto devido ao risco de se transferir as obrigações exclusivas da assistência estatal à iniciativa privada. “O juiz ou o regular não pode fixar uma “nova obrigação”, determinada com efeitos pretéritos, estabelecendo coberturas que não estão presentes na lei ou na regulação exercida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Eventual conflito de princípios, constitucionalizados ou não, deve considerar as esferas de interesses estabelecidas para a saúde pública e a saúde privada”, esclarece Toro.
Assim, José Luiz Toro da Silva compreende a necessidade da distinção dos efeitos jurídicos ao mercado, bem como o equilíbrio de princípios constitucionais. Segundo o festejado advogado, “A função social e a relevância pública da atividade devem se harmonizar com os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência estabelecidos na Constituição Federal, fazendo-se mister o devido sopesamento.” O entendimento decorre da tese de doutoramento do advogado pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP), intitulada “Os deveres do Estado e os limites ao poder regular nas atividades de saúde suplementar sob a ótica da ordem econômica”. A partir do estudo, Toro da Silva ressalta que a assistência privada à saúde compreende as ações necessárias para a prevenção de doenças e tratamento do paciente. Isto procede desde que seja observada a cobertura prevista na legislação e no contrato firmado pelas partes.
Advogado há mais de trinta anos, acompanhou as discussões que ocorreram no Congresso Nacional para a aprovação da Lei dos Planos e Seguros Privados de Assistência à Saúde na década de 1990. Atualmente, mantém contato com autoridades do Ministério da Saúde e da ANS a respeito da regulamentação dos planos privados de assistência à saúde. José Luiz Toro da Silva é fundador e presidente do Instituto de Direito da Saúde Suplementar (IBDSS) e coordenador jurídico da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (UNIDAS), além de autor de livros, entre os quais está o “Manual de Direito da Saúde Suplementar – a iniciativa privada e os planos de saúde”. Segundo diz, a interferência estatal em uma atividade privada, como na saúde suplementar, deve objetivar, exclusivamente, a redução das falhas de mercado e garantir a existência do mercado regulado. “Sem desprezar o “mundo real” e as implicações sociais e econômicas decorrentes de sua decisão, sob pena de, no afã de proteger, trazer maiores malefícios para toda a sociedade”.
A judicialização da saúde, da forma como hoje é praticada em relação à saúde suplementar, compromete a sustentabilidade e a existência do segmento. Isto porque, se encontra muitas vezes lastreada em aspectos ideológicos, ancorada, exclusivamente, no princípio da dignidade da pessoa humana, sem levar em consideração os princípios constitucionais garantidores da livre iniciativa e da livre concorrência. Também não leva em conta aqueles inerentes à legalidade, segurança jurídica, observância da separação dos poderes e respeito ao Estado Democrático de Direito, desprezando as esferas de interesses que são estabelecidas constitucionalmente. Ademais, além de não percebe que somente o Estado tem o dever de observar os princípios da universalidade, integralidade e gratuidade, também não realiza o devido sopesamento, acreditando que somente exista um super-princípio, quando se sabe que no juízo de ponderação não existe uma situação de tudo ou nada.
Em qual sentido o atendimento aos usuários é comprometido?
As externalidades positivas aplicadas aos consumidores, em detrimento das operadoras (externalidades negativas), sem previsão legal e que contrariam os cálculos e estudos atuariais, incorrem em uma distorção nos custos dos planos. Estes poderão inviabilizar a mencionada atividade empresarial ou, até mesmo, implicar a cobrança de valores mais elevados para os novos planos de saúde, restringindo ou inviabilizando o acesso de novos segurados. As duas situações são prejudiciais para os consumidores, de maneira geral. Com a intenção de proteger o consumidor, a judicialização da saúde faz com que os preços dos planos de saúde sejam maiores do que poderiam ser praticados. Isso contraria até mesmo o princípio da igualdade, pois os que gozam da proteção judicial têm coberturas diferentes daqueles que não solicitam a tutela jurisdicional, não obstante os dois estarem pagando os mesmos valores. Se o legislador estabelecesse uma cobertura superior àquela disposta na Lei nº 9.656/1998, os planos deveriam cobrar valores maiores pela prestação de seus serviços, afastando do mercado inúmeras pessoas que não teriam condições de suportar encargos tão elevados. Percebe-se que, consciente de tal realidade, o legislador realizou escolhas, não podendo o Poder Judiciário ignorá-las.
Em que sentido a judicialização atinge a livre concorrência?
A judicialização da saúde também pode afetar a livre concorrência entre os planos privados de assistência à saúde, pois ocorre séria distorção na equação econômico-financeira que norteia as contratações, fazendo com que uma empresa tenha mais custos em relação a outras. Como as coberturas são determinadas através de liminares ou tutelas antecipadas, não se encontrando previstas na legislação, a imposição de determinadas coberturas para algumas operadoras, em detrimento de outras, também contraria o princípio da igualdade previsto no texto constitucional. Convém mencionar que a falta ou a deficiência de fiscalização por parte do órgão regulador poderá ainda afetar a concorrência, pois operadoras que não observam a legislação poderão estabelecer condições negociais mais vantajosas em relação àquelas que cumprem todas as obrigações previstas na legislação, principalmente as que estabelecem a observância de mínimas condições econômico-financeiras. Portanto, a preservação da concorrência, dentro de um mercado regulado, também é dever do Estado e garantia para a livre iniciativa.
No que as decisões judiciais erram contra as operadoras?
Muitas das liminares concedidas contra os planos privados de assistência à saúde deveriam ser dirigidas ao Poder Público, uma vez que a obrigação da livre iniciativa é aquela prevista na legislação do setor. A saúde suplementar não foi criada à semelhança do SUS, sujeitando-se a regulamentação, controle e fiscalização do Poder Público, exclusivamente, nos termos e nos limites da lei. Por isso, a regulação deve levar em consideração a esfera de interesse, os direitos e princípios jurídicos que são aplicados à livre iniciativa. A saúde suplementar não integra o SUS, não obstante estar sujeita a situações de ressarcimento de despesas. A função social e a relevância pública da atividade devem se harmonizar com os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência estabelecidos na Constituição Federal, fazendo-se mister o devido sopesamento.
O que a Justiça deveria considerar quanto à saúde privada?
O juiz não pode fixar uma “nova obrigação”, determinada com efeitos pretéritos, estabelecendo coberturas que não estão presentes na lei ou na regulação exercida pela ANS. Eventual conflito de princípios, constitucionalizados ou não, deve considerar as esferas de interesses estabelecidas para a saúde pública e a saúde privada. O princípio da dignidade humana não pode ser aplicado em desarmonia com os princípios da legalidade, da livre iniciativa, da livre concorrência, da separação dos poderes e do Estado Democrático de Direito. Isso pelo menos no que concerne ao estabelecimento das obrigações devidas pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde. Há que se buscar uma ponderação, um sopesamento, sob pena de se transferir para a iniciativa privada deveres que são exclusivos e inerentes à própria obrigação estatal de prestação de ações e serviços de saúde, em decorrência da sua esfera de interesses.
Qual a ótica adotada pela legislação no assunto?
É inegável que a legislação segue uma lógica securitária, com séria preocupação para a sustentabilidade das operadoras de planos privados de assistência à saúde e a preservação da viabilidade econômico-financeira. A assistência prevista na lei dos planos de saúde compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, desde que observada a cobertura prevista na lei e no contrato firmado entre as partes. Trata-se de um mercado em que os interesses dos prestadores e dos consumidores, muitas vezes, são absolutamente inconciliáveis, fazendo-se necessária a atuação do Estado para regular as falhas de mercado. É inegável que a lei dos planos de saúde procurou dar maior segurança jurídica para os usuários dos planos privados de assistência à saúde, assegurando-lhes garantias, inclusive, no seu art.35-G.
Afinal, como os planos de saúde estão previstos na Lei?
As empresas que operam no mercado dos planos privados de assistência à saúde e os contratos de planos de saúde não podem ser analisados dentro de uma visão estrita do direito privado. É uma atividade econômica de relevância pública, que se sujeita a um tratamento jurídico diferenciado e multifacetado, com sérias implicações sociais, não podendo ser tratado sob uma única ótica da ciência jurídica. A própria Constituição Federal, no artigo 197, evidencia que as ações e serviços de saúde estão sujeitos a um tratamento jurídico diferenciado, pois mesmo que exercidas pela iniciativa privada, essas atividades sujeitam-se à “regulamentação, fiscalização e controle” do Poder Público, nos termos da lei. Este aspecto, nos termos da lei, esclarece que eventual interferência estatal só é admitida dentro de um Estado Democrático de Direito, no qual deve ser levada em consideração a natureza privada das empresas e entidades que atuam em tal setor, até mesmo em respeito a outros princípios garantidores da livre iniciativa que se encontram no texto constitucional.
Ao que as operadoras devem se atentar na legislação?
A atividade de planos privados de assistência à saúde não é aquela descrita no parágrafo 1º do art. 199 da Constituição Federal. Lá se trata daquelas pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviços de forma complementar ao Sistema Único de Saúde (SUS), “segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos”. Não obstante, para que uma operadora privada esteja neste mercado ela deverá obter uma autorização estatal, em conformidade com o disposto no art. 8º da Lei nº 9.656/1998, não se tratando de nenhuma situação de concessão ou permissão. Esse ramo de negócio já existia antes do advento da mencionada lei, ou seja, ele não foi criado pela nova legislação. No Brasil, mais de 25% da população brasileira possui planos de saúde, pois cerca de 51 milhões de brasileiros são atendidos pelos planos médico-hospitalares, sem contar com mais de 16 milhões que possuem plano odontológico. Frise-se que se gasta mais na saúde suplementar para atender a citada população do que o Estado gasta para atender os outros 149 milhões de brasileiros. Ainda assim, existe uma flagrante insatisfação de todos os agentes desse mercado: consumidores, prestadores de serviços e operadoras.
Como a função reguladora do Estado se envolve com a questão?
É inegável que a regulação trouxe benefícios para a sociedade, começando pela própria profissionalização do setor e o afastamento de empresas que não tinham condição de atuar no segmento, ao estabelecer que as operadoras devem possuir um mínimo de patrimônio e constituírem reservas técnicas. Porém, constata-se que muitas das interpretações existentes em relação às operadoras privadas de assistência à saúde estão contaminadas por uma visão ideológica que abomina a possibilidade de se poder auferir lucro em uma atividade de saúde. A preocupação com a sustentabilidade se justifica, até mesmo, para que seja observado o princípio da continuidade da contratação, como forma de se proteger, inclusive, o próprio consumidor, o qual quer que o seu plano de saúde esteja sólido até o final de seus dias, lhe prestando todas as coberturas contratadas. Vale lembrar que mais de um quarto da população brasileira utiliza os serviços das operadoras de planos privados de assistência à saúde, sendo que eventual falência do setor somente irá agravar a situação do SUS.
Portanto, como o Estado deveria interferir na saúde suplementar?
A interferência estatal em uma atividade privada, como na saúde suplementar, deve ser observada de forma restrita, objetivando, exclusivamente, evitar ou minimizar as chamadas falhas de mercado. Uma intervenção deve se dar, basicamente, através do direito positivo, em face da necessidade de previsibilidade das obrigações que a operadora de planos privados de assistência deve cumprir, pois estas irão impactar no custo da contratação, que sofre os efeitos das ciências econômicas e atuariais. A regulação não pode desprezar os efeitos econômicos inerentes à mencionada forma de contratação, devendo harmonizar os interesses sociais e os interesses econômicos envolvidos. A regulação exercida pelo Estado no âmbito do segmento da saúde suplementar abrange a atuação das operadoras de planos privados de assistência à saúde e o contrato correspondente. Além de sofrer algumas limitações, inclusive constitucionais, deve atender exigências básicas e garantidoras da própria existência do mercado regulado. O Estado, tendo em vista a opção exercida pelo legislador constitucional, deve, até mesmo, fomentar o crescimento do setor, procedendo sua intervenção somente na medida do estritamente necessário, a fim de preservar as finalidades econômicas e sociais visadas, até mesmo porque as ações e serviços de saúde são considerados de relevância pública.
Na prática, quais são as obrigações do Estado com o setor?
Além de observar os limites, inclusive constitucionais, impostos ao poder de regular as atividades da saúde suplementar, o Estado tem a obrigação de cumprir determinados deveres em relação a tal segmento da livre iniciativa, sob pena de frustrar o desejo do legislador constitucional. São os deveres de garantia, assegurar a livre concorrência, conferir estabilidade e previsibilidade das normas, harmonizar interesses, realizar consultas e audiências públicas, atuar como assistente processual e o de realizar a análise do impacto regulatório. O Estado possui um poder-dever que precisa ser usado com parcimônia, com observância dos devidos sopesamentos, sem desprezar o “mundo real” e as implicações sociais e econômicas decorrentes de sua decisão, sob pena de, no afã de proteger, trazer maiores malefícios para toda a sociedade.
Como a preservação da saúde suplementar auxilia o próprio Estado?
A preservação e a sustentabilidade da saúde suplementar é de interesse do consumidor e beneficia o próprio Estado, pois o exonera da prestação de serviços para um expressivo número de brasileiros. Se faz mister que haja uma harmonização dos interesses, não podendo o órgão regulador ou o Judiciário desconhecer os efeitos econômicos decorrentes de suas decisões. Isso, sob pena de o “remédio se transformar em um veneno”, com sérias e trágicas repercussões para toda a sociedade. É inegável que o SUS deve oferecer ações e serviços em todos os níveis de complexidade, sem qualquer restrição. Este dever de integralidade representa uma importante diferença existente entre o sistema público de saúde e o sistema privado, haja vista que os planos privados de assistência à saúde não estão obrigados a atender toda e qualquer ação ou serviço de saúde. Somente deve atender
àqueles previstos na Lei nº 9.656/1998 ou na regulamentação da ANS, editada com fulcro na Lei nº 9.961/2000. Por outro lado, podemos afirmar que as necessidades de ações e serviços de saúde são cada vez maiores, em face do aumento da expectativa de vida das pessoas e do surgimento de inúmeras patologias crônicas que não têm cura, mas somente tratamento, fator cada vez mais custoso, em decorrência do impacto de novos fármacos e novas tecnologias.
O que deve ser ressaltado sobre saúde pública e privada?
O SUS é constituído pelo conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, incluídas as instituições públicas de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, sangue e hemoderivados e equipamentos para saúde. A iniciativa privada pode participar do SUS de forma complementar, ou seja, quando as disponibilidades desse sistema público forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de determinada área, sendo que tal participação será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público. Os critérios e valores para a remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial oferecidos de forma complementar pela iniciativa privada ao SUS serão estabelecidos pela direção nacional do sistema, aprovados no Conselho Nacional de Saúde. Essa participação complementar não se confunde com a atividade desenvolvida pela iniciativa privada no âmbito da saúde suplementar. Como já mencionado, saúde suplementar não é o mesmo que saúde complementar, bem como não se confunde com eventual participação de entidades privadas no âmbito da prestação de serviços pelo SUS.