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Moreau Advogados
Veiculado em Jornal Valor Econômico
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Por Silvia Rosa e Adriana Cotias | De São Paulo
As recentes manifestações da Receita Federal emperraram as adesões ao programa de anistia de recursos no exterior. Desde que o órgão tributário passou a bater na tecla que não é só a fotografia de 31 de dezembro de 2014 que tem que ser declarada, mas também o passado da movimentação patrimonial, alguns contribuintes que estavam com seus processos praticamente prontos voltaram atrás.
Um parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) do dia 1º deste mês, reiterando a posição da Receita, só piorou essa percepção. Quanto mais onerosa a conta, mais reticentes as pessoas se mostram porque, em alguns casos, o imposto de renda de 15% mais a multa de 15%, superam o valor ainda mantido fora do Brasil.
Segundo relatos ouvidos pelo Valor, aqueles que apareceram nas listas do Swissleaks, o caso de vazamento de informações na unidade de private banking do HSBC na Suíça, em 2015, ou no Panamá Papers, com seus nomes expostos quando os documentos do escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca se tornaram públicos, em abril, é que têm se apressado a regularizar a situação.
Após o episódio do Swissleaks, a Suíça enviou ao fisco brasileiro 8.732 arquivos sobre os titulares de conta corrente no HSBC na Suíça. O Panamá Papers, por sua vez, revelou que pelo menos 22 empresas e famílias brasileiras estavam entre os clientes da Mossack, que presta serviço de abertura de empresas “offshore” no paraíso fiscal.
A existência dessas estruturas no exterior é legal desde que a empresa e o patrimônio sejam declarados à Receita Federal e ao Banco Central, com a devida tributação dos valores.
Contribuintes sob risco de sofrer sentença condenatória em qualquer instância da Justiça têm tentado se antecipar ao prazo fixado em 31 de outubro. Os demais casos estão em banho maria. “Há uma demanda grande por informações, diversos casos em andamento, já submetemos alguns, mas depois das manifestações da Receita, a orientação é aguardar”, diz o o sócio do escritório Ulhôa Canto Advogados Humberto Sanches.
A Lei 13.254 estabelece que deve ser declarado o saldo do bem existente no exterior em 31 de dezembro de 2014. Mas a interpretação da Receita Federal é que o contribuinte deve informar também a parte do patrimônio consumida nos ano anteriores.
Sanches, cujo escritório assessora cerca de 200 contribuintes, cita que a Receita Federal apenas deu sua interpretação da lei no “perguntas e respostas” no site e que se entendesse que é esse o espírito da lei, editaria uma instrução normativa. Para o tributarista, o que a lei prevê é reportar a situação patrimonial de 31 de dezembro de 2014 e, caso o saldo esteja zerado, seria uma declaração de conduta. “O governo conta com a anistia para o aumento da arrecadação e os clientes até topam pagar alto em comparação a outros programas, mas ao fazer precisam ter segurança jurídica de que não vão esperar cinco anos com a faca no pescoço, sem saber se a Receita vai querer questionar”.
No parecer do início de julho, o procurador-geral da Fazenda, Fabrício da Soller e os procuradores Leonardo Alvim e Núbia de Castilhos escreveram: “A data de 31 de dezembro de 2014 não pode ser interpretada para excluir a tributação dos ativos em questão, mas tão somente para estabelecer o marco temporal, o limite de tempo dentro do qual (até quando) os fatos geradores ocorridos seriam considerados para enquadramento nos benefícios da lei”. E, ao fim do texto alertam que, “se as condutas relacionadas aos bens consumidos não forem declaradas, o imposto sobre a renda e a multa devidamente pagos”, o contribuinte perderá a chance de regularizar as condutas “que, sob o aspecto tributário, continuarão dentro do poder-dever de fiscalização da Receita Federal”.
O sócio do escritório de advocacia Bravest, em Zurique, que tem filiais em Portugal e no Brasil, Sergio Mitsuo Vilela, diz que a interpretação da Receita tem atrapalhado a adesão à lei e trouxe maior preocupação para aqueles que já aderiram. “Há casos em que se a multa for aplicada ao valor consumido no passado pode superar o saldo total que o contribuinte tem atualmente, ou até mesmo exceder o valor do patrimônio no exterior”, diz. Ele afirma haver clientes que já aderiram ao programa e agora vivem um dilema porque não têm recursos para arcar com a multa se ela for aplicada a todo valor movimentado em anos anteriores.
O risco, diz o professor do Insper e sócio da Moreau Advogados, Pierre Moreau, é haver uma judicialização do tema. Mas com os acordos de troca automática de informações com diversas juridições já em vigor, como o que há com os EUA, e os que estão por vir – que no caso brasileiro passa a valer em 2018, com a coleta retroagindo a 2017 – não há muito a fazer. A orientação é que o contribuinte faça a anistia e questione depois, já que o prazo é apertado e o poder de barganha pende para o fiscalizador. “A Receita está numa posição tranquila no sentido de impor uma interpretação própria da norma”, afirma.
Osmar Marsilli Junior, sócio do PLKC Advogados, escritório especializado em assessorar o contribuinte pessoa física e reorganizações patrimoniais familiares, tem sugerido que seus clientes reúnam a documentação, deixem tudo pronto para declarar, mas aguardem. Com cerca de uma centena de casos na mesa, ele entende que dificilmente o fisco brasileiro vai conseguir reunir subsídios para avaliar o passado patrimonial do contribuinte antes de 2012.
“A troca de informações com a Suíça, uma vez homologada pelo Congresso, vale a partir [dos dados] de 2014. Com os EUA, também. Afora a conta bancária de um declarante em alguma jurisdição que o Brasil tenha tratado para evitar a bitributação, a maioria dos casos está em jurisdições que não tem acordo”, diz Marsilli Junior. Para ele, os posicionamentos da Receita têm apenas tumultuado a adesão. “A segurança jurídica é primordial para que um processo de autodelação seja realizado.”
Para o advogado e sócio do escritório Choaib, Paiva e Justo Advogados Associados, Marcos Ferraz de Paiva, o que a Receita sugere é que o contribuinte declare o maior valor movimentado nos últimos cinco anos – prazo em que o fisco revisa as declarações dos contribuintes -, e pague a multa com base nisso. Segundo ele, a declaração dos bens anteriores a 2014 só deveria valer para quem não tinha nada em seu nome naquela data, tendo transferido os recursos para alguma entidade fiduciária ou “trustee”. “Caso contrário, estamos orientando os clientes a seguirem o que diz a lei [declarar o valor do bem existente no exterior em 31 de dezembro de 2014]”.
A previsão inicial da Receita com a anistia era arrecadar R$ 35 bilhões. Até maio, a estimativa era de que 180 contribuintes tinham se submetido ao programa. Alguns falam que a adesão já chegaria a 500 pessoas, com um volume abaixo de R$ 10 bilhões.
Do ponto de vista criminal, Guilherme Nostre, do escritório Moraes Pitombo Advogados, diz que o saldo de 31 de dezembro de 2014 basta para anistiar o declarante nos casos de sonegação fiscal e evasão de divisas desde que a origem dos recursos seja lícita. “Pessoas com atividades regulares, que construíram valores ao longo da vida, têm entendido ser essa uma grande oportunidade”, afirma.
Há ainda quem espere muquanto de um lado a Receita Federal tem sido categórica em manifestar que não haverá alterações na legislação, de outro há relatos que a interlocução dos grupos de trabalho do setor privado tem sido com assessores do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. A expectativa é que com a conclusão do impeachment, o governo de Michel Temer tenha condições de encaminhar proposta de ajustes na chamada lei de repatriação no Congresso. Se houver esse trânsito, ou a edição de uma medida provisória, o prazo de adesão à regularização também poderia ser estendido até dezembro.
Procurados, Receita Federal e Ministério da Fazenda não se manifestaram sobre o assunto.
Link da matéria: Parecer da Receita emperra adesão à lei de anistia