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31/08/2023A auxiliar administrativa Rafaela Arruda, de 25 anos, usou cocaína pela primeira vez aos 16 anos como uma tentativa de fugir da dor que sentia após passar por um relacionamento abusivo
Por Alice Arnoldi, Colaboração Para Marie Claire — São Paulo
26/08/2023 06h01 Atualizado há um dia
A auxiliar administrativa Rafaela Arruda, de 25 anos, tinha apenas 16 anos quando usou cocaína pela primeira vez. O que começou com uma curiosidade para saber a sensação que a droga trazia, virou um pesadelo quando ela percebeu que não conseguia parar por vontade própria.
“Na época, as pessoas perguntavam se eu não tinha vontade de largar a cocaína e eu dizia que eu parava quando quisesse, mas não era verdade. Eu não tinha mais controle”, lembra.
O psiquiatra Cirilo Tissot, especialista em dependência química pela Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Drogas (ABEAD), explica que a cocaína promove uma liberação intensa de dopamina na região pré-frontal do cérebro, responsável pela motivação e senso de recompensa. Logo, quanto mais a pessoa usa a droga, mais ela quer consumi-la.
“Além disso, o consumo ao longo do tempo desenvolve tolerância ao uso, necessitando de quantidades maiores para se obter o mesmo efeito euforizante da vez anterior”, completa o especialista.
Foi o que aconteceu com Rafaela. “Inúmeras vezes, cheguei a ter princípio de overdose. Eu cheirava, vomitava e voltava a cheirar de novo. Eu falava que eu não tinha medo de morrer”, conta.
Essa consciência sobre a perda do controle que existe em relação ao uso da cocaína é importante para que não se diga que sair das drogas é apenas uma questão de escolha, de força de vontade.
“Existe um circuito químico que faz com que a pessoa não consiga fazer diferente. Há também uma questão comportamental e social em que ela desenvolve um hábito super aprendido, além de um contexto que influencia a continuidade do uso”, explica Cirilo Tissot.
Os gatilhos que a levaram à cocaína
Desde os 14 anos, Rafaela frequentava ambientes de fácil acesso às drogas, escondida dos pais. Foi nessa época que ela fumou maconha pela primeira vez.
Ao engatar em um relacionamento com uma pessoa que também usava a droga, ela acabava fumando todos os dias. Com o tempo, essa relação se tornou abusiva, a ponto de Rafaela apanhar do ex-namorado. “Tive uma trinca na canela por um chute que ele me deu”, relata.
As agressões físicas e psicológicas vividas no relacionamento levaram a auxiliar administrativa ao extremo. No mesmo lugar em que Rafaela começou a fumar maconha, ela usou cocaína pela primeira vez. “Lembro de olhar para mim no espelho e me sentir intocável. Mas é a falsa realidade que a droga passa para você”, conta.
A sensação de ser invencível começou a fazer com que ela saísse cada vez mais para usar cocaína, mesmo com as brigas com seus pais ficando insustentáveis.
“Fui pega cinco vezes pela Denarc. Na última vez, o policial disse que eu iria para a viatura se acontecesse de novo e eu ria da situação. Já estava em um ponto que eu não tinha mais discernimento do que estava fazendo”, lembra.
Rafaela acabou indo morar com uma amiga que também era dependente química, o que só potencializou o uso de cocaína. Nessa época, ela conta que as duas chegavam a utilizar a droga todos os dias da semana.
Segundo a psiquiatra Júlia F. Eigenheer, da clínica Revitalis, a dependência química ocorre quando há uma predisposição genética do indivíduo para usar droga, combinada com fatores ambientais, como disponibilidade da substância de abuso, stress crônico e traumas, como aconteceu com Rafaela.
“Existem evidências da herança genética com relação ao vício de drogas. Mas é importante enfatizar que a dependência de nenhuma substância é determinada 100% geneticamente”, esclarece a especialista.
A gota d’água
Rafaela só decidiu voltar para casa quando soube que a mãe estava procurando-a nos pontos de droga da cidade. Só que depois de dois dias sem usar cocaína, ela teve um surto psicótico. “Eu xingava muito a minha mãe e até acabei machucando a mão dela, porque ela tentava me segurar”, conta.
Isso acontece porque os níveis de dopamina no organismo reduzem depois de um tempo do uso da cocaína, levando a uma depressão de rebote. Consequentemente, a pessoa se sente ansiosa para utilizar a droga novamente e sentir o alívio proporcionado por ela.
O surto de Rafaela fez com que a família precisasse chamar o resgate. “Ao ver meu sobrinho, tive um lapso de sanidade e disse que queria ir para a clínica naquele exato momento”, conta.
30 dias depois de ser internada, ela recebeu a primeira visita da família. “Foi naquele momento que eu entendi que eles me amavam incondicionalmente”, lembra.
Rafaela ficou internada por seis meses e está limpa há quase sete anos.
Fisicamente, a auxiliar administrativa acabou perdendo o olfato de um dos lados do nariz devido ao uso da cocaína. Já psicologicamente, ela se sente mais ansiosa e explosiva. “A ponto de ficar cutucando a minha cabeça até machucar”, conta.
A beleza de recomeçar
A força de Rafaela, para não recair na droga, sempre veio da sua família. Há um ano e meio, isso se potencializou quando engravidou do filho Bernardo.
Ela conta que, embora estivesse limpa na época, estava decaindo em comportamento. A auxiliar administrativa estava revoltada, explosiva e bebendo com frequência.
“Não é uma luta diária contra a droga. Mas contra a adicção, que é uma compulsão e obsessão por algo contínuo. Hoje estou em recuperação tanto do meu vício quanto dos meus comportamentos”, explica.
Segundo a psicóloga Renata Carbonel, também da clínica Revitalis, com experiência em dependência química há dez anos, olhar para esses comportamentos é fundamental para uma recuperação mais efetiva.
“Existem características da personalidade do dependente químico que se repetem. Dentro de um tratamento, ele precisa observá-las e promover uma mudança, ou seja, passar a agir de forma que não vá fazer com que ele busque novamente o uso”, explica a psicóloga.
Rafaela teve medo que Bernardo tivesse alguma malformação devido ao cigarro e ao histórico de cocaína, mas ele nasceu saudável.
“Tem dias que só queremos sumir, porque nada parece suficiente para curar a dor que temos. Mas o meu filho é minha força maior para continuar!”, declara.