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04/12/2023Analistas explicam motivos para a crise financeira da maior rede de cafeterias do mundo
Por Bruno Rosa e João Sorima Neto
01/11/2023 16h35 Atualizado há uma semana
Starbucks planeja abrir mais duas mil lojas nos EUA até 2025 — Foto: Bloomberg
O latte machiato da Starbucks com o nome do cliente no copo não resistiu ao crescimento do tradicional café expresso e aos efeitos da pandemia no Brasil. O pedido de recuperação judicial da SouthRock Capital, dona ainda de marcas como Subway e Eataly, evidencia a dificuldade de empresas do setor de alimentação em em lidar com os efeitos da economia no pós-pandemia. Juros altos, inflação persistente, cardápio com preços elevados e uma concorrência cada vez maior fizeram o grupo pedir proteção após somar dívidas de R$ 1,8 bilhão.
O pedido de recuperação judicial negado pela Justiça no início da noite desta quarta-feira. A SouthRock já informou que irá recorrer da decisão judicial, que não tem caráter definitivo.
Na avaliação do economista Roberto Kanter, professor de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV) e sócio da consultoria Canal Vertical, os problemas financeiros do grupo começaram a ganhar força ainda na pandemia. Ele lembra seus principais produtos, como os cafés especiais e os muffins vendidos pela Starbucks não foram beneficiados pelo crescimento do delivery durante o confinamento, o que impactou a receita por anos.
Além disso, ele lembra que, com a reabertura do varejo com o fim da pandemia, os shoppings e os donos de imóveis passaram a endurecer as negociações de alugueis, por exemplo.
-Foi, então, uma derrota dupla, nesse sentido, pois ninguém entra no delivery para pedir um café ou um sanduíche do Subway. E o grupo se endividou muito antes da pandemia para crescer pelo país. E, como a receita não avançou, a crise financeira foi se agravando – explica Kanter.
O economista da FGV lembra ainda que o Starbucks, a principal marca do grupo, enfrenta uma concorrência crescente no país no segmento voltado para as classes de maior renda, com o avanço de marcas como Kopenhagen, Nespresso, Havana e The Coffee no setor de cafeterias.
-O Starbucks vende mais que café. É uma experiência. Além disso, apesar de a rede ter criado opções brasileiras em seu cardápio, muitas coisas não emplacaram como a venda de acessórios, como copos, blusas e pacotes de café. A marca também não é do grupo e isso impacta no caixa da companhia, pois no caso da Nespresso, que é da Nestlé, eles conseguem alocar custos em outros países de forma a deixar o produto mais competitivo – avalia Kanter.
Para Percival Maricato, membro do conselho da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), de São Paulo, a operação da rede Starbucks é cara, já que as lojas geralmente ficam em shoppings ou prédios em locais considerados mais sofisticados. Embora os cafés tenham preço mais elevado que o tradicional “cafezinho”, é preciso uma gestão muito precisa para que se chegue ao equilíbrio financeiro.
— Muitas vezes, há cinco ou seis mesas, que ficam ocupadas com gente trabalhando no computador ou jovens na internet, durante horas no local. É gente que consome pouco, um café, um bolo. É preciso uma gestão de custos muito bem feita para buscar o equilíbrio. É difícil limitar o tempo de uso das mesas, já que essa é exatamente a proposta do local — diz Maricato, lembrando que se em cenário de economia crescente esse equilíbrio já é difícil, num contexto de juros altos e inflação a operação fica ainda mais complexa.
Maricato lembra que os restaurantes que estão em aeroportos também são operações caras, especialmente o aluguel de um espaço. E, nesses locais, trata-se de um cliente de oportunidade, não um cliente fidelizado.
— A pessoa passa em frente e entra para comer. Trata-se de um cliente de oportunidade, que não é fiel. Já vi gente que faturava muito em restaurante de aeroporto quebrar — avalia.
Antônio César Carvalho, sócio da ACOMP Consultoria e especialista em gestão de empreendimentos, lembra que a rede de cafeterias não se adaptou às novas preferências do consumidor e continuou com os mesmo preços e formato de lojas.
– As empresas em geral abandonaram as pesquisas de mercado e vem apostando em processos automatizados e não conseguem retratar com fidelidade as preferências dos consumidores e muito menos tendências. O rescaldo da pandemia e o juro básico alto exigem operações comerciais muito eficientes e eficazes para sobreviverem – afirma Carvalho.
Gabriel de Britto Silva, advogado especializado em direito empresarial, lembra que a economia brasileira ainda não apresenta aumento de confiança por parte do consumidor e sofre com a volatilidade das taxas de juros e constantes variações cambiais, afetando o caixa da companhia.
– O público consumidor da holding é de classe média e classe alta, considerando os valores praticados na rede Starbucks e também no Eataly. E, em momento de insegurança econômica, as famílias tendem a cortar os gastos supérfluos, como os lanches e cafés em cafeterias gourmet e almoços e jantares em que são oferecidas o que se tornou costume de se intitular de alta gastronomia. No pós-pandemia, o padrão de consumo não se manteve e ainda não se mantém no mesmo patamar.
Para Rodrigo Gallegos, sócio da RGF, especialista em reestruturação, o pedido de RJ do grupo SouthRock segue o que temos visto recorrentemente: as empresas tiveram queda de vendas durante a pandemia e não se recuperaram totalmente, para segurar as operações e inadimplência. Se alavancaram com taxas que na época não eram tão elevadas. Porém, com o aumento da Selic, começaram a ter dificuldade de honrar os pagamentos, uma vez que o custo financeiro se elevou muito.
— Elas tentaram renegociar/rolar as dívidas, mas as instituições financeiras apertaram a torneira do crédito, principalmente pelas incertezas econômicas do Brasil (nova direção de política econômica da troca de governo) e pela pancada que sofreram com o caso da Americanas no início do ano. Nossa expectativa é que esta situação apresente uma melhora no segundo semestre do ano que vem com reduções graduais da taxa basica de juros e menor aversão a risco das instituições financeiras, que pode desafogar um pouco as empresas. O problema é que muitas empresas não vão aguentar até lá e certamente ainda teremos mais notícias de grandes grupos entrando em RJ, assim como temos dito nos últimos meses.
O pedido da SouthRock parece se tratar de uma consequência da pandemia, que devastou o setor de bares e nquias e inadimplência de parceiros diz Fabiano Diefenthaeler, sócio do Schuch Advogados, especializado em Direito Empresarial..
Mas a informação de que a Starbucks Corestaurantes, com a empresa citando queda nas vendas de suas fraffee International rescindiu a licença para explorar a marca Starbucks no Brasil certamente foi um ponto crucial para a adoção da medida, já que a operação é responsável por parcela importante do fluxo de caixa do grupo.
— O pedido da SouthRock, inclusive, visa que que o direito de uso da marca Starbucks seja mantido durante o período de recuperação judicial. Resta saber as consequências para os contratos de licenciamento de outros clientes, que potencialmente incluem possibilidade de rescisão por pedido ou decretação de recuperação judicial — afirma Diefenthaeler.