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Moraes Pitombo Advogados
Publicado no portal R7
14/08/2016
Veja o que pensam professores e alunos sobre o Escola Sem Partido
Projeto de Lei que tramita no Congresso visa a impedir “doutrinação ideológica” de estudantes
Giorgia Cavicchioli, do R7
A tramitação do programa Escola Sem Partido (Projeto de Lei 193/2016), idealizado em 2003 pelo procurador de Justiça Miguel Nagib, é alvo de intensa polêmica. Recentemente, foi feita uma consulta pública para que a população se posicionasse a respeito do tema. Até a tarde desta sexta-feira (12), a página do Senado onde a votação está em pauta tinha 180.512 votos a favor e 191.036, contra.
A ideia do projeto, de autoria do senador Magno Malta, é impedir a “doutrinação ideológica” em escolas. Veja, a seguir, o que professores e alunos pensam sobre o tema.
A professora Sara Siqueira, que leciona no ensino fundamental do município de São Paulo, diz que a Escola Sem Partido pode atrapalhar a sua aula e o processo de formação dos alunos: “[Com o projeto] você está legitimando que exista somente uma ideologia. É a ideologia do cale-se, que é a ideologia do não conheça ou fique somente com uma visão de mundo”. Segundo ela, o projeto tenta tirar das escolas o debate sobre “temas que são muito caros para o debate da sociedade em geral. Principalmente as questões de gênero, raça e políticas”.
— Como a escola se isenta desses debates? Como que não podemos fazer esses debates dentro da escola sendo que isso é parte de todos os sujeitos?
De acordo com o advogado Guilherme Nostre, o projeto de lei é inconstitucional porque viola a liberdade de expressão e submete a atuação dos professores a uma avaliação subjetiva, além de se utilizar de expressões abertas e que estão mal colocadas.
— A Escola Sem Partido cria mordaças indevidas ao educador. Quando você começa a colocar muitos limites na atuação do professor, você enfraquece a posição dele. Quando o educador se sente constrangido e amordaçado por normas, ele vai, cada vez mais, agravar questões dentro da sala de aula.
Em um trecho do programa é dito que “liberdade de ensinar não se confunde com a liberdade de expressão. Não existe liberdade de expressão no exercício estrito da atividade docente, sob pena de ser anulada a liberdade de consciência e de crença dos estudantes, que formam, em sala de aula, uma audiência cativa”.
Nostre diz que existe, no projeto, “uma preocupação louvável” que diz que “não podemos permitir que um professor pare de ser professor e se torne um ator político-partidário”. Porém, ele diz que, quando casos como esses acontecem hoje nas escolas, já existe uma “repulsa pela própria direção [da escola], pelos pais e alunos”. Portanto, na prática, esse tipo de “doutrinação” já é coibido de uma forma natural e que não seria necessária uma lei para tratar a questão de uma forma subjetiva.
— Não se pode tentar retirar do professor a sua individualidade, suas crenças e suas paixões. Elas fazem parte do professor. Ao manifestar suas ideias ele não está violando nenhum direito. Os limites que existem são éticos-sociais que existem em qualquer trabalho. Não se pode submeter esses limites a uma avaliação dos pais. Não é o pai que avalia se aquilo é adequado ou não.
A avaliação do advogado diz respeito a uma outra passagem do programa que diz que “cabe aos pais decidir o que seus filhos devem aprender em matéria de moral” e que “nem o governo, nem a escola, nem os professores têm o direito de usar a sala de aula para tratar de conteúdos morais que não tenham sido previamente aprovados pelos pais dos alunos”.
A professora Carolina Ferreira, que atua em uma escola municipal na zona norte de São Paulo lecionando a matéria de português, diz que a maioria dos professores, pais e amigos que conhece entende que projetos que defendem a “neutralidade do ensino” são “equivocados e ilegítimos”. Para ela, essas são “tentativas de instituir controle ideológico repressivo” dentro das escolas.
— O ensino-aprendizagem se dá através do debate e da discussão em sala de aula. É trabalhando com temas reais de uma vida e sociedade, como temas políticos, religiosos e sexuais, por exemplo, que se constrói conhecimento, que se forma um cidadão que sabe conviver com as diferenças, que se diminui violência, que gera criticidade.
Além disso, ela diz que em sua aula, com ou sem Escola Sem Partido, vai falar sobre temas como gênero, desrespeitos dos governos, religiões, sexo e drogas. Para ela, que leciona em um colégio que atende a população majoritariamente carente, é importante que os jovens se coloquem como autores de suas histórias e que saibam ter um olhar crítico para a situação em que estão inseridos socialmente.
— Escolhi ser professora porque acredito que é pela educação que podemos ter mudanças pessoais e, assim, fazer mudanças sociais. E recorrentemente falo sobre isso com meus alunos, que o conhecimento é um investimento sempre positivo, que ninguém pode te tirar, que lhe dá autonomia, confiança e poder de mudança.
Para Carolina, “o ensino-aprendizagem deve ser construído a partir de questões reais, a partir de questões que promovam a cidadania, valores éticos e morais”.
— Escola não existe sem ideologia, toda educação é ideológica.
A questão de gênero também é abordada no projeto dizendo que “o Poder Público não se imiscuirá na opção sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer, precipitar ou direcionar o natural amadurecimento e desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da teoria ou ideologia de gênero”.
Segundo a professora Sara, quando os educadores falam em tratar gênero na escola a intenção é fazer com que os estudantes respeitem as diferentes orientações sexuais, identidades de gênero e que as meninas jovens e da periferia tenham mais noção sobre o seu próprio corpo e direitos.
— A gente está falando da questão de igualdade de tratar meninos e meninas para que eles se reconheçam como iguais. A gente consegue perceber que discutindo desigualdade de gênero está desconstruindo um discurso que legitima a violência. Para que as meninas entendam que elas não precisam ser tratadas como menores por serem mulheres, é chegar no índice de redução de gravidez na adolescência.
A professora, que trabalha com jovens no Glicério, região que ela afirma ser fragilizada em relação a políticas públicas, diz que é importante também falar sobre questões sobre racismo e intolerância religiosa. Os estudantes, que lidam com esses temas todos os dias, precisam desenvolver pensamento crítico sobre a forma como se colocam no mundo.
— Como eu não falo do que é concreto para eles? Do porquê, na nossa sociedade, os meninos vão ser mais abordados [pela polícia] porque são negros.
De acordo com o professor Jairo Souza, de uma escola municipal na região da Capela do Socorro, ele trabalha com leitura e produção de texto. Segundo ele, isso “dá um leque bastante amplo no que se refere aos temas tratados em sala de aula, até porque, o objetivo, em linhas gerais, é formar bons leitores e bons escritores. Isso significa formar pessoas que consigam ler o mundo a sua volta, criticamente, nos pormenores”. Nesse sentido, ele diz ser impossível concordar com um projeto como o Escola Sem Partido.
— Ele vai na contramão dos estudos mais importantes que vêm sendo desenvolvidos sobre leitura e escrita e é equivocado tanto em relação ao papel do educador quanto em relação à posição do estudante. Primeiro porque acredita que o aluno é passivo e aceita tudo o que diz o professor sem questioná-lo. Segundo porque entende o docente como um simples reprodutor de teorias, uma vez que quer um professor que não opine.
O advogado concorda com o professor e diz que “o que não pode é o professor beneficiar algum aluno ou prejudicar porque ele não concorda com os seus pensamentos”. Para ele, dentro da normalidade, o professor pode e deve expressar seus sentimentos e suas ideologias.
— É absurdo pensar que um professor de história vá falar sobre ditadura e ele não possa criticar o posicionamento totalitário. Ou quando ele for ensinar aos alunos sobre o nazismo.
Segundo Souza, casos como intolerância religiosa, assédio sexual, racismo e homofobia dentro de sala de aula precisam de uma intervenção por parte do adulto responsável por aquele ambiente: “É preciso discutir sobre religiosidade e o direito à liberdade de culto. Há que se conscientizar meninas e meninos de que o corpo da mulher a ela pertence e ninguém pode violar seu direito de circular nos mais diversos ambientes e de vestir-se como gosta. Deve-se colocar em xeque a suposta superioridade branca e se rediscutir padrões de beleza e de comportamento moral. É fundamental colocar as sexualidades no mesmo plano, para que se entenda que não se trata de opção e, muito menos, de perversão”.
— Quando nos deparamos com o que se vem veiculando e lemos nos pormenores o que querem seus proponentes, percebemos que o Escola Sem Partido trabalha com a ideia de que o professor é um agente de partidos políticos, o que está bem longe da realidade. O Escola Sem Partido é uma grande cilada, a começar pelo nome que parece progressista, mas que esconde a intenção agressiva de uma escola sem discussão política real.
O próprio secretário da Educação do Estado de São Paulo, José Renato Nalini, diz ser contra o projeto. Para ele, essa tentativa “é incompatível com aquilo que a Constituição já previu em relação à educação”.
— A educação é algo que deve obedecer à liberdade de expressão, o acolhimento de todas as tendências. O pluralismo é um princípio a ser levado a sério.
Segundo ele, a ideia do projeto “não vai prosperar” no Estado. Mesmo assim, o Escola sem Partido já foi aprovado em Alagoas e em quatro municípios, mas foi vetado pelos Executivos, sob a alegação de ser inconstitucional. No Distrito Federal e no Paraná, o projeto foi apresentado e é alvo de críticas de professores. Por isso os projetos foram arquivados.
— Nós não conseguimos fazer com que haja um engessamento, uma orientação ideológica, porque os alunos têm que ser criados para a livre opção por tudo aquilo que nos é reservado escolher. O ser humano nasce com alguns condicionamentos, mas dentro disso você tem um leque imenso de escolhas e nós não podemos limitar aquilo que a natureza não limitou. Então o mundo é o da liberdade e de esclarecimento para que as pessoas falam as escolhas de acordo com a sua aptidão, sua vontade e sua inclinação.
Opinião dos estudantes
As amigas Ana Lu e Ariane são estudantes da Escola Estadual Dr. Alberto Cardoso de Mello Neto e se dizem contra a Escola Sem Partido. De acordo com Ana Lu, o projeto é “um total desrespeito e uma desordem”.
— Poucas pessoas sabem da Escola Sem Partido e os professores que serão mais afetados serão os de sociologia e filosofia. Porque põe os alunos para pensar e para serem cidadãos críticos. E o governo não quer isso, não quer estudantes que pensam, que têm opinião própria.
Ariane concorda com a amiga e diz que os estudantes “também têm opinião” e querem expressar o que pensam nas aulas, falando e perguntando sobre questões para os professores. Para ela, se eles não puderem fazer isso, as aulas terão muitas perdas.
— É uma forma militar de educar, mas disfarçando. A gente tem que refletir sobre aquilo que nos falam.
Ana Lu também diz que considera que uma escola sem partido seria “muito triste”, pois isso afetaria diretamente na educação dos cidadãos: “Nós não somos robôs para chegar na escola, sentar e tudo que o governo quer, a gente aceitar. Não é assim que funciona”.
Os amigos Marcos e Guilherme estudam na escola Carmosina e também entendem que o projeto prejudicaria nas aulas. Marcos diz que as escolas já não têm professor e merenda e que a Escola Sem Partido “prejudicaria muito para o cidadão”.
Guilherme diz que o prejuízo seria “em todas as áreas”. Segundo ele, sem o estudo eles não são capazes de entender o que acontece no País: “Nos estudos temos a percepção de tudo o que pode acontecer e de tudo o que podemos fazer para poder mudar o Brasil”.
O estudante Leonardo Dias estuda na escola Júlio Ribeiro e diz que não vê “nenhum lado negativo” no Escola Sem Partido. Ele diz que se for para melhorar o aluno e a escola, os alunos vão aceitar o projeto e ele vai ser melhor para a instituição.
— Mas se a escola tiver um partido e isso estiver atrasando a escola de alguma forma ou tendo algum problema, aí as pessoas são obrigadas a ter a consciência e criar o melhor para todos e para a escola.
A estudante Julia faz parte do coletivo RUA e estuda psicologia. Ela diz que o Escola Sem Partido vai “privar os estudantes de vários debates que precisam ser feitos”. Ela usa como exemplo o debate de gênero e sexualidade nas escolas.
— A educação é uma base de formação e de empoderamento. A gente está em um momento que precisamos, cada vez mais, nos empoderar.
A jovem Jéssica Lopes estuda na escola Fernão e diz que o projeto pode acabar com algumas matérias que desenvolvem o senso crítico, como sociologia e filosofia, por exemplo.
— Parece que o Estado quer te excluir mais ainda, que você seja uma massa de manobra. A gente aprende a pensar nas aulas, a gente consegue expor as nossas ideias e montar as nossas ideias. A gente vai para a rua e para mostrar que a gente pensa. A gente quer essas matérias, a gente quer aprender a criar um pensamento crítico.
A jovem Pâmela Pereira estuda na escola Ciridião Buarque e acha que o projeto é “totalmente retrógrado”. Ela diz que é impossível construir um pensamento crítico sem ter argumentos contra e a favor de um tema.
— É um projeto totalmente louco e eu não vejo ponto positivo nenhum. Por que a escola não é um espaço que você não pode falar. É um espaço em que você tem que falar, em que você tem que discutir, em que você tem que ter um pensamento crítico.
O R7 entrou em contato com Miguel Nagib e agendou uma entrevista por telefone para que ele comentasse seu programa. Após solicitar, no momento da entrevista, que as perguntas fossem enviadas por e-mail, o procurador não respondeu nenhum dos questionamentos da reportagem.
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