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23/09/2019no combate ao bullying por pais, escolas e autoridades
Ana Paula Siqueira Lazzareschi de Mesquita*
O desenvolvimento pleno e estável da formação das crianças nas escolas brasileiras está em risco. Há anos, apura-se a deterioração do ambiente de educação compreendido por família e escola que tem, como face mais visível, os índices de bullying e cyberbullying e as consequentes demandas judiciais em função de danos morais, físicos e mortes. De forma qualificável como tímida, as autoridades públicas têm enviado sinais desse quadro. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tem coletado dados que – na visão dos críticos – não refletem a realidade plena, mas confirmam a existência do problema. A judicialização destas questões (todas sob segredo de justiça) se multiplicou a tal ponto desde o advento do acesso à internet pelo celular que o Conselho Nacional de Justiça editou cartilha de orientação aos magistrados. As Ordens dos Advogados passaram a desenvolver eventos orientadores para seus associados. O governo federal editou lei específica para se lidar com o bullying e o cyberbullying. E o Congresso Nacional tem agenda para refletir a questão.
No âmbito das escolas – privadas, sobretudo – há iniciativas aqui e acolá para enfrentamento do problema, sem efetivamente documentar as atividades pedagógicas desenvolvidas. Modelos têm sido aplicados, especialmente diante dos prejuízos à reputação e financeiro gerados por escândalos envolvendo menores e grupos do WhatsApp.
Em mais um caso de bullying julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, as mães de praticantes de bullying foram também condenadas. A inédita responsabilização objetiva dos de pais e mães (a escola e as menores que praticaram as agressões também o foram) é indicativo do recrudescimento da jurisprudência. As informações sobre o caso demonstram que as agressões aconteceram por meses, que profissionais da escola e os responsáveis pelos agressores foram alertados, que boletins de ocorrência foram lavrados. Nada foi feito. Possivelmente, como em todas as escolas, esse não é caso único neste local.
Portanto, avalio este conjunto de fatos da seguinte forma. Estamos diante de um estado de negação brutal sobre o que está ocorrendo. Entenda-se negação como um dos fenômenos mais característicos dos indivíduos – e instituições de ensino – para evitar lidar com situações ou circunstâncias que geram algum tipo de conflito. E isso está claro nas escolas públicas e privadas e na maioria absoluta das famílias, de qualquer classe social.
A agenda de problemas dos gestores da área de educação – notadamente as privadas – entendem a agressividade sistemática no ambiente escolar como “mais um problema”, ao invés de ser tratado como “o problema”. O administrador escolar em estado de negação delega o cyberbullying ao coordenador, ao orientador e se recusa terminantemente a implementar políticas de compliance escolar sérias. E qual a razão? Ao meu ver, duas básicas: os pedagogos do século 21 ainda sentem saudades de uma escola que não existe mais, que está apenas vivente na memória de gestores arcaicos que aguardam sua aposentadoria e enrolam as famílias com a famosa “conversa para boi dormir”. Os pais crédulos, que acreditam na suposta e inexistente “educação tradicional” são mandados para casa com a impressão de que são imprestáveis e incompetentes.
As escolas que ainda sobrevivem do “glamour” dos anos 80 e 90 precisam abrir os olhos e entender seu papel como ente formador de opinião e, principalmente, como lastro de segurança digital para as famílias.
Na família ocorre o mesmo com dinâmica particular a ser determinada pela disposição de se investir tempo na vigilância e na orientação de limites na formação do indivíduo. A escola afirma que é dever dos pais vigiar, mas por vezes não explica a forma e os meios mais efetivos. Desta forma, é comum ver pais analógicos reféns de jovens digitais e experts em ludibriar o usuário de tecnologia comum. O adolescente que sabe um pouco de informática tem “salvo conduto” parental para fazer o que quiser no ambiente virtual.
Como o espaço virtual é ilimitado, o poder de agressão se amplia e a vítima se sente acuada mesmo fora do colégio. E o que é pior: muitas vezes, ela não sabe de quem se defender! É preciso que as instituições de ensino assumam a linha de frente no compliance escolar para evitar mais processos, mais violência e mais mortes oriundas da comunicação violenta virtual (cyberbullying).
*Ana Paula Siqueira Lazzareschi de Mesquita, sócia de SLM Advogados e coordenadora do programa jurídico educacional “Proteja-se contra prejuízos do cyberbullying”
Leia no Blog do Fausto Macedo, do Estadão, aqui.