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08/06/2016
Moraes Pitombo Advogados
Veiculado na Revista Consulex Digital
01/04/2016
“Liberdade Jurídica”, clássico de Joaquim Almeida, desafia a crítica simplista da interpretação atual dos fatos e do Direito no cotidiano
Num momento em que as pessoas, em gênero, satisfazem-se ao ver a prisão cautelar como expediente de antecipação da condenação penal e meio de dissuadir o investigado a exercer os seus direitos de defesa, parece importante refletir sobre o sentido e o fim do processo penal.
A perspectiva utilitarista, ao estilo norte-americano, traz aparente sensação de solução rápida do conflito, pois após a prisão temporária e a prisão preventiva vem a delação premiada – com confissão e pagamento de altas somas a título de pretensa reparação – apresentar-se como panaceia para os males da demora do processo judicial.
Tal pragmatismo encontra maior número de adeptos em situações históricas similares à presente, na qual a insatisfação coletiva com o governo e com a corrupção embaça a visão quanto ao processo penal partir do plano dos princípios e regras constitucionais.
Nessas horas de perene emergência[1], surge a necessidade de se reafirmarem direitos individuais e de se renovarem leituras de inventores e mestres[2] na dogmática do processo penal. De certo modo, a grande quantidade atual de equívocos praticados pela Justiça no tocante à prisão e à liberdade serve para reafirmar exibir-se o processo penal como instrumento de proteção da liberdade jurídica do indivíduo.
Nada melhor do que reler o texto clássico de Joaquim Canuto Mendes de Almeida[3], publicado faz quase quarenta anos [4], cujo pensamento refinado desafia o leitor a criticar a maneira simplista de se interpretarem os fatos e o Direito no nosso cotidiano.
A “LIBERDADE JURÍDICA” NO DIREITO E NO PROCESSO
Joaquim Canuto Mendes de Almeida
1. O conceito de processo liga-se necessariamente ao de movimento, atividade, e, precisamente, ao de sua direção para frente. O nome deriva, etimologicamente, do verbo latino procedere (procedo, procedis, processi, processum, procedere) e do substantivo processus, us, e indica uma das sete direções certas do móvel no movimento, e para o agente na atividade: processo, para frente; retrocesso, para trás; acesso, para cima; descesso, para baixo; o dextrorsum e o sinistrorsum, direção para direita e para esquerda; e o circular, combinação harmônica dos outros seis. Das palavras motu multo deriva o nome tumulto, que quer dizer direção incerta.
- O conceito de processo judiciário – já de conotação político-jurídica(isto é, de direito público) – tem, em sua definição, por gênero próximo, o de processo de atividade estatal, e por diferença específica o de processo de atividade judiciária (extrajudicial e judicial), dos juízes e tribunais funcionários da hierarquia judiciária, Poder Judiciário, o que os distingue da atividade administrativa, dos funcionários do Poder Executivo, e da atividade legislativa, dos órgãos do Poder Legislativo.
- A atividade extrajudicial desenvolve-se no foro extrajudicial (órgãos da fé pública); a judicial, no foro judicial (órgãos da jurisdição).
- Toda atividade (1) supõe uma força ou poder de agir e uma função que é seu fim: ao poder e à atividade judiciária – de processar e julgar causasjurídicas – corresponde, por função específica, a jurisdição (instrução, notio, e julgamento, iudicium).
- A jurisdição ostenta-se função específica dos órgãos judiciários. Mas os juízes e tribunais podem, conforme a Constituição e as leis, ter e exercer funções que lhes são inespecíficas, como a de administração de coação legal (operações físicas de execução forçada de julgado condenatório) e de disciplina interna, e como a de legislação (iniciativa nas leis de organização judiciária).
- Três são os agentes da atividade desenvolvida em processo judiciário: o juiz, ou tribunal, que é o principal; o autor, a pretender a coação estatal que, com autoridade, obrigue o réu a algo; o réu, a pretender que a coação estatal, desejada pelo autor, não venha a exceder os limites constitucionais de sua “liberdadejurídica”, isto é, de sua prerrogativa de não vir a ser obrigado a fazer ou a deixar de fazer “aquele algo” senão em virtude de lei, e de julgado (porque, também, nenhuma lesão de direito pode ser subtraída à apreciação judiciária, isto é, à atividade jurisdicional de instrução e julgamento).
A cada um desses três agentes corresponde a respectiva ação:
- – a ação judiciária, pertencente precipuamente ao juiz, como jurisdição em ato;
– a “ação” do autor (agens); e
- – a re-ação do réu (reagens), ou defesa.
Consistem em ônus processuais, em ambos, autor e réu, de alegar e provar, contraditoriamente, a “relação de direito” sub iudice (2).
- As Constituições do Brasil, na declaração de direitos individuais, enunciaram e a atual Emenda Constitucional enuncia o princípio de que ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 153, § 2°)! A “virtude de lei” quer dizer força, coativa estatal.
- A “lei”, a que se refere esse texto constitucional, identifica-se com o fenômeno objetivo, individuado na conjugação da norma de lei, como forma, com a relação jurídica entre os sujeitos, matéria derivada de fato jurídico, no sentido lato. A lei, referida no texto constitucional, opera através da sua incidência concreta sobre fato concreto predestinado a produzir, como efeito legal, concreta relação de direito.
Forma data esse rei, ensinam os filósofos.
- Não basta dizer, porém, que o efeito da incidência da lei sobre o fato-causa se identifica na relação de direito. É preciso dizer em que esta consiste. Impõe-se, isto sim, assinalar que nela intercorre precisamente aquele vinculo obrigacional (nexo prestacional), aquele coagir estatal (ou de modo virtual ou de modo real, potencial ou atual) que restringe a liberdade de alguém, ao obrigá-lo a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa no interesse de outrem (ou interesse pessoal ou interesse impessoal, conforme o caso), ou de terceiro.
- Entretanto, à luz dos atuais progressos do direito público, deve-se banir da imaginação, em fenomenologia jurídica, a figura linear da “relação de direito” que exclui o Estado na explicação geométrica, por assim dizer, do vinculo obrigacional.
Afinal de contas, não é o beneficiário da proteção coativa, prometida na norma de lei, quem constrange o obrigado a satisfazer-lhe o interesse pessoal ou impessoal.
- O Estado, este sim, é que é o manancial da imposição da força pública cogente. Perante o Estado, o titular do direito subjetivo (interesse pessoal tutelado) ou quem se faz órgão de promoção do mero interesse juridicamente protegido (interesse impessoal tutelado) – postula a pretensão coativa, com fundamento de fato e com fundamento de direito. Na coação, em suma, identifique-se a ação (coação estatal) pretendida pelo autor, e obtenível mediante eventual condenação passada em julgado: operações físicas de execução forçada!
- Apresenta-se o direito, pois, por sua matéria substancial (relação humana) e por sua forma substancial (a norma jurídica), e em sua individuada objetividade, como direito objetivo material (entre homem e homem), jungido a sua forma intrínseca, específica, obrigatória, direito objetivo formal. Lição de SAVIGNY, à qual dão relevo, no Brasil, de ontem, JOÃO MENDES JÚNIOR e, no de hoje, VICENTE RÁO (3).
Sua matéria – relação humana concreta – e sua especifica forma, ditada pelo mandamento, lei jurídica concreta (inseparáveis, reciprocamente, em sua tangível existência, ou realidade ontológica), integram-lhe a unitária substância, ou seja, aquilo que sub-está às suas exterioridades sensíveis.
- Trata-se, segundo esses ensinamentos, de relação de esquema unilinear entre “direito”, de um lado, e “obrigação”, de outro lado; mas não em termos de contraposição que, obviamente, não existe. A contraposição intercorre isso sim, entre direito à coação, que restringe a liberdade, e o direito à liberdade que o direito a coação não restringe.
- Nos extremos, há, pois, contrapostos, por certo, dois sujeitos de direito, o titular do direito à coação e o titular do direito à liberdade jurídica; e vice-versa, nas mesmas pessoas, há dois sujeitos passivos, x, obrigado a respeitar o direito à coação de y; e, invertida a mesma relação, y, obrigado a respeitar a liberdade jurídica de x.
Num sentido, ao sujeito do direito serve a restrição legal (de liberdade) assestada sobre o sujeito da obrigação, no sentido de este o respeitar. No sentido inverso, ao sujeito da liberdade serve o limite legal (do poder coativo) assestado sobre o sujeito do direito, no sentido de este a respeitar.
- Cristalizara-se, em doutrina, porém, o preconceito geométrico estrutural (esse, da relação unilinear que exibe em cada polo oposto, respectivamente, o benefício legal, chamado “direito subjetivo” do “titular”, e a “obrigação” subjetiva do por isso mesmo chamado “obrigado”); enunciam-no, em suas lições vestibulares, de modo geral, ou quase geral, teoristas de Ciência do Direito, juristas, e até jus-filósofos.
Mas a doutrina implicitamente já reconhece que o módulo de ordem jurídica que é a relação de direito não se estrutura assim unilinear, mas trilateral, triangular, trina figura complexa maior, em cujos vértices se situam (mesmo no chamado direito material).
1°) o agente do Estado, o qual, em primeira linha de ação, primeiro lado do dinâmico triângulo, exerce pressão sobre x, assim “obrigado” a algo, positivo ou negativo, no interesse de y (pessoal ou impessoal), que disso se beneficia;
2°) x que, assim premido, cumpre ou deve cumprir a obrigação, em segunda linha de ação, segundo lado do dinâmico triângulo, posta na direção de y, beneficiário, ou “titular” do direito; e
3°) y que, em terceira linha de ação, terceiro lado do triângulo dinâmico, posta na direção ao Estado, pode exigir ao competente agente estatal a entrega da prestação coativa estatal já assestada (mesmo antes e fora de eventual processo judiciário) sobre x, assim “obrigado”.
- A predominância do Estado nesse triângulo confere juridicidade à coação não apenas em razão do poder político raiz da autoridade legítima que a faz autorizada, mas também, e principalmente, pela legalidade que a delimita (princípio da reserva legal), inscrito na Constituição; e em virtude do qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
- A restrição de liberdade vista como moldada pela lei e, assim, obviamente limitada conserva no obrigado a residual parcela de liberdade, resultante da delimitação legal e, então, a residual liberdade natural, ao adentrar assim o mundo jurídico, deixa de ser meramente natural, transformando-se em “liberdade jurídica”. É o que declara implicitamente a Constituição, sempre que a faz valer nos três planos de direito público: o da legiferação, o da administração e o da jurisdição.
- Claro se deduz que a função do juiz, de verificação, declaração e fixação da verdade jurídica, enquanto concerne à “instrução” e ao “julgamento” da causa (notio e iudicium), tem por escopo o controle de legalidade, em caso, da pleiteada imposição de coação estatal (imperium). E que, portanto, ao passo que, por um lado, a coação estatal, real e atual, isto é, o conjunto das operações físicas de execução forçada se põe a serviço da pretensão do autor (se eventualmente acolhida esta na sentença exequenda), a instrução e julgamento se põem, por outro lado, a serviço da pretensão do réu, de não sofrer a coação estatal pleiteada pelo autor, senão em virtude da lei, cuja vontade concreta, emitida na sentença, há de conforme procedente ou improcedente o pedido comportar execução sem excesso ou inexecução.
- Chama-se “liberdade jurídica” a prerrogativa do ser humano, enquanto racional e livre, não só poupada pela lei, se e enquanto esta não a restringe, mas também enquanto tutelada, especificamente, pelo processo judiciário (jurisdição em ação), isto é, pelo processo de verificação, declaração e fixação dos termos da incidência concreta da lei, e seus efeitos. O julgado filtra, por assim dizer, mediante juízo de legalidade, ou Justiça (em direito positivo), o qual ele encerra, a pleiteada (no cível) ou a assestada (no crime) coação estatal!
- Do exposto decorre que o “processo judiciário”, enquanto especificamente judiciário, (portanto, exclusive apenas as operações físicas de execução forçada), quer o de conhecimento, quer o de execução, é precípuo direito, não do autor, mas do réu, interessado, que este é, em defender sua “liberdade jurídica” mediante a jurisdição, que testa a legalidade da pretensão do autor.
21. Contempla-se, pois, no fenômeno jurídico, a circunstância de que da incidência da lei sobre o chamado “fato jurídico” nasce não só a chamada relação jurídica, ou “relação de direito”, entre o titular do chamado “direito subjetivo” e o chamado “obrigado”, mas também, concomitantemente, desde logo, a “relação de coação estatal”, relação de poder coercitivo, entre o titular do poder-dever estatal, cogente, e o coagido. Em razão da coação estatal, precisamente, é que fica este “obrigado” a fazer ou a deixar de fazer certa coisa no interesse do “sujeito” do direito, tutelado assim pela força pública.
- Ora, o princípio de legalidade, inscrito no art. 153, § 2°, da Constituição “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”, mostra que o direito, considerado como o poder em alguém, de obrigar outrem, a “fazer ou deixar de fazer” determinada coisa, exprime restrição de liberdade, na medida estabelecida em lei.
A liberdade assim delimitada seria a natural, liberdade residual, intocada pela virtude ou força restritiva da lei, se da evolução político-jurídica dos povos não emergissem os juízes, instituídos pela autoridade estatal, especificamente, para defendê-la, mediante verificação, declaração e fixação dos termos da incidência concreta da lei, sobre o individuado fato causante e a relação jurídica causada. Nasce e vive assim a função jurisdicional do Estado predestinada a testar a legalidade das pretensões de direito, cogentes de quem quer que seja, assestadas contra liberdade de outrem. E isso é que converte aquela liberdade residual, natural, em ”liberdade jurídica”, se e enquanto posta sob tutela judiciária.
A coação estatal, imponível em instância de execução forçada de sentença condenatória, é o conjunto de operações físicas que recaem sobre o executado. No sentido de coação estatal, pois, ainda vale a regra de que a todo direito corresponde uma ação – isto é, coação estatal – que o assegura. Se a imposição da coação estatal se veicula por processo ainda judiciário (isto é, de conhecimento e julgamento por juiz), que é o chamado processo de execução, tal ocorre em razão do direito do executado a não sofrer excesso de execução e a defender-se nos incidentes de execução: é assim que a liberdade jurídica, embora já agora do executado, permanece a tônica na atividade do juiz, juiz da execução.
(1) Lição de JOÃO MENDES JÚNIOR:
“Qualquer fato humano supõe um agente que o fez, a matéria de que, ou em que é feito, o ato que o agente fez, o fim para que fez; isto é: 1°) um principio ativo, dotado da necessária força intelectual e física, o qual se denomina AGENTE ou CAUSA EFICIENTE; 2°) um princípio passivo, dotado de potencialidade para receber uma determinação, o qual se denomina MATÉRIA ou CAUSA MATERIAL, que os filósofos definem – SUBSTÃNCIA EM POTÊNCIA; 3°) um princípio determinante, que se chama FORMA ou CAUSA FORMAL, que os filósofos definem SUBSTÃNCIA EM ATO, ou simplesmente ATO, forma que pode ser intrínseca (ut species) ou extrínseca (ut exemplar); 4°) um termo para que se dirige a intenção do agente e para o qual se dirigem, como meios, os atos da ação, termo esse que se chama FIM ou CAUSA FINAL. Quando o principio ativo age, pondo em ato o principio passivo, há a passagem da potência ao ato; e, tratando-se de um ente corpóreo,essa passagem se opera pelo MOVIMENTO no espaço e no tempo e se denomina ATIVIDADE. Em suma, essas causas movem ou são movidas no tempo e no espaço, de sorte que a atividade está subordinada às ideias de FORÇA, MATÉRIA, FIM, MOVIMENTO, ESPAÇO e TEMPO”.
”Toda a atividade supõe: 1°) uma força ou poder de agir, 2°) um fim ou causa final específica da atividade, isto é, uma função; 3°) um organismo, isto é, uma disposição de órgãos ou instrumentos do poder e a distribuição das atribuições desses órgãos; 4°) uma operação, isto é, um processo e procedimento de atos e termos do movimento para o exercício da ação”.
(2) Lição de JOÃO MENDES JÚNIOR:
“Na acepção material, atendemos à matéria do conceito, isto é, consideramos a matéria da AÇÃO sob os três aspectos de toda a matéria: a matéria ex qua, aquilo que faz a AÇÃO; a matéria in qua, aquilo em que se faz a ação; a matéria circa quam, aquilo a que se refere ou aplica a ação (STRIKIO, Disputat). Na AÇÃO JUDICÍARIA, a matéria ex qua é a lide ou litígio, a matéria in qua é o Juízo, e a matéria circa quam é uma relação de direito. Neste sentido, a AÇÃO é o litígio em Juízo acerca de uma relação de direito e, em linguagem vulgar, se diz pleito ou demanda.
Correlativamente, deve ser considerada a acepção formal da AÇÃO JUDICIARIA. Este litígio em Juízo acerca de uma relação de direito só pode tomar forma em atos, ordenadamente dispostos, desde o primeiro até o último constituindo assim uma série de atos, movidos em processo (de pro, adiante, e cedere, ir), visto que devem seguir esta marcha, desde o início da ação até o julgamento final. Esta forma distingue a AÇÃO JUDICIÁRIA; isto é, a AÇÃO JUDICIÁRIA toma forma legítima em atos ordenados para uma justa solução. A ação, portanto, em sua acepção formal, é a série ordenada e processual de atos formalizados pela lei, para o litígio em juízo sobre uma causa ou relação de direito.
Forma é o que dá realidade ao ser e à operação. Ora, o processo, natural atributo de toda ação em movimento no tempo e no espaço, é a realidade da ação e, portanto, a sua forma. Quer a ação feita por ato instantâneo, quer a ação feita por atos sucessivos, realiza-se pelo movimento em processo: Actio et passio includuntur in motu, ac solum differunt ratione a motu (ARISTÓTELES, Phys. II, 4, 10)”.
(3) JOÃO MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR (“Direito Judiciário Brasileiro”, 2. ed., corr. e aum., Rio, 1918) ensinava que, contemplando a realidade do direito, ele o via: (a) como atributo da pessoa, (b) como fenômeno na vida social e (c) como norma de agir ou lei. ”Como atributo da Pessoa é a faculdade de agir moralmente inviolável. Neste sentido chama-se direito subjetivo, porque é considerado como atributo de um sujeito, que é a pessoa. A pessoa é uma substância individual de natureza racional, a quem o direito é atribuído como uma faculdade de agir, cuja atividade pode e deve ser sancionada e garantida pela força do Estado, que é o organismo do corpo social”.
“Como fenômeno – isto é, tal como nos aparece no mundo social – o direito é uma relação da vida social (grifo nosso).” Neste sentido chama-se direito objetivo material, porque – frisava o mestre – “é objeto de nossa percepção com todas as notas sensíveis, isto é, relação da vida, em que aparece um sujeito, um termo, uma matéria ou objeto, e um fundamento. Sujeito, por excelência chamado sujeito ativo – como já vimos – é a pessoa a quem se atribui o direito; termo – também chamado sujeito passivo – é a pessoa obrigada; matéria ou objeto é a coisa sobre que recai o direito; fundamento é o fato que, considerado na ordem moral, produz no sujeito o direito e no termo a obrigação.” E, mais adiante, retomando sua exposição: “O direito é concebido também sob um terceiro aspecto, isto é, como norma de agir ou lei. É o chamado direito objetivo formal, porque, nesse sentido, o direito é objeto de nossa percepção como forma genérica e obrigatória da ordem social”!
O saudoso professor paulista, assim confere prevalecência a realidade jurídica concreta sobre o enunciado abstrato do texto legal, proposição lógica genérica.
A lei, para ele, portanto, só é lei em função de individuada incidência, produtora de seu específico efeito sobre o fato social da relação de pessoa a pessoa, criando-a, modificando-a ou extinguindo-a, ao iluminá-la, por assim dizer, de legalidade.
Embora os mestres de todas as disciplinas jurídicas silenciem, atualmente, acerca de tão útil distinção (entre direito objetivo material, como relação na vida social, e direito objetivo formal, a lei, como sua obrigatória forma especificamente jurídica), já SAVIGNY assinalara – proclama VICENTE RÁO – que cada relação de direito nos aparece como relação entre pessoa e pessoa, determinada por uma regra de direito, determinante, para cada indivíduo, de um ”domínio dentro do qual sua vontade reina independentemente de outra vontade estranha”. Em consequência – afirma o jurista alemão – ”toda relação de direito se compõe de dois elementos; 1° uma determinada matéria, isto é, a própria relação; 2° a ideia de direito, que regula essa relação. O primeiro pode ser considerado elemento material da relação de direito, ou seja, simples fato” (não se confunda com “fato jurídico”, consoante consagrada noção doutrinariamente hoje predominante); o segundo, ” elemento formal”, que lhe atribui forma jurídica”.
Notas da abertura escrita por Antonio Pitombo:
[1]Feliz expressão de: Moccia, Sergio. La perenne emergenza: tendenze autoritarie nel sistema penale. Napoli: Ed. Scientifiche Italiane, 1995.
[2] “Inventores. Homens que descobriram um novo processo ou cuja obra nos dá o primeiro exemplo conhecido de um processo. Mestres. Homens que combinaram um certo número de processos e que os usaram tão bem ou melhor que os inventores”. Conforme: Pound, Ezra. Abc da Literatura. Trad. Augusto de Campos e José Paulo Paes. 11. ed., São Paulo: Cultrix, 2006, pp. 42-43.
[3] Nascido em 1906 e falecido em 1990. Promotor de Justiça (1930). Chegou a Procurador Geral da República (1961). Professor titular de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (1939). Seus principais discípulos na universidade foram Rogério Lauria Tucci (1929-2014) e Sérgio Marcos de Moraes Pitombo (1939-2003). Escreveu diversos livros e artigos.
[4] Mendes de Almeida, Joaquim Canuto. A “liberdade jurídica” no Direito e no Processo. In: Prade, Péricles. Estudos jurídicos em homenagem a Vicente Ráo. São Paulo: Resenha Universitária, 1976, pp. 289-298.