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26/02/2024Tv Cultura| STF inicia julgamento sobre vínculo empregatício entre motorista e aplicativos de transporte
26/02/2024Se Corte admitir a repercussão geral, milhares de ações sobre o assunto ficarão suspensas até o julgamento do mérito
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, nesta sexta-feira, se há repercussão geral nas teses que discutem se há vínculo de emprego entre trabalhadores e plataformas de aplicativo. O ministro Edson Fachin, relator de uma ação que envolve a Uber e uma motorista, admitiu a repercussão geral do caso, dada a “magnitude inquestionável” do tema, seja no aspecto jurídico, social ou econômico.
Para Fachin, há diversas decisões divergentes no Judiciário brasileiro, tanto a favor e contra o reconhecimento de relação de emprego. Por isso, é preciso que o STF se posicione sobre o assunto, para uniformizar o entendimento dos tribunais e trazer segurança jurídica.
A decisão deve conciliar “os direitos laborais garantidos constitucionalmente e os interesses econômicos, tanto dos condutores de aplicativos quanto das corporações”, disse o relator (RE 1446336).
O julgamento, que está no Plenário Virtual da Corte, termina na próxima sexta-feira, dia 1º. Ainda faltam os votos dos outros 10 ministros, inclusive do recém-empossado Flávio Dino, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública.
Na prática, o reconhecimento do vínculo empregatício resulta no recebimento de todos os direitos trabalhistas de quem tem a carteira registrada: décimo terceiro, um terço de férias, FGTS, entre outros.
Há cerca de 10 mil processos semelhantes na Justiça do Trabalho sobre esse tema, de acordo com petição enviada pela Uber. Se for admitida a repercussão geral, todas essas ações serão suspensas (sobrestadas) até que o STF julgue o mérito do assunto. Agora, eles julgam apenas se há aspectos constitucionais envolvidos e se cabe a repercussão geral.
Contexto
O Supremo ainda não julgou de forma ampla esse tema. Até agora, uma decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes e, depois, a 1ª Turma negaram o vínculo empregatício em um caso que envolve a plataforma de aplicativo de transporte Cabify, que não opera mais no Brasil. O julgamento da 1ª Turma foi unânime a favor da empresa — votaram os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Há ainda um outro processo que envolve a Rappi, mas que não chegou a ser julgado (Rcl 64018).
O processo da Uber em julgamento nesta semana chegou ao STF em junho de 2023, após a empresa entrar com um recurso contra decisão da 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O TST manteve uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-1), que reconheceu relação de emprego de uma motorista com a empresa. Na primeira instância, a sentença foi contra a trabalhadora.
Para o TST, o vínculo se estabelece a partir de uma subordinação algorítmica e jurídica, caracterizada pelos “meios telemáticos e informatizados de controle”, como conta no parágrafo único do art. 6º da CLT. É o algoritmo da Uber que fixa o preço da corrida, o percentual de repasse para o motorista e sugere os trajetos. A única autonomia do trabalhador é definir os horários que vai dirigir e se vai ou não aceitar o cliente. Já a empresa defende que é preciso respeitar os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência.
Análise
De acordo com o advogado trabalhista Henrique Melo, sócio do escritório NHM Advogados, é preciso uniformizar o entendimento nos tribunais. “O que temos é um vácuo na legislação, uma omissão do Legislativo neste tema que já deveríamos ter regulamentado. Por isso, vai ter que ser pacificado pelo STF para gerar segurança jurídica para, no caso das empresas, investir mais ou atrair outras plataformas que existem, ou, se for reconhecido o vínculo, para as empresas se adaptarem, regularem o preço e saberem como operar no mercado”, afirma.
Em outros momentos, o STF já admitiu uma flexibilização dos contratos trabalhistas, como no julgamento que validou a terceirização de atividade-fim (RE 958252), em repercussão geral, o que pode indicar uma tendência para o julgado desta semana. “Temos hoje uma maior liberdade nas formas de contratação. O direito do trabalho não pode ficar engessado em um modelo de empregados celetistas. Há uma sinalização [do Supremo] de admitir vários modelos diferentes de relação de trabalho”, diz o advogado Bruno Freire e Silva, sócio do Bruno Freire Advogados e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
O melhor caminho, mesmo após o julgamento do STF, acrescenta Freire, é o Congresso Nacional elaborar uma lei que regulamente o tema e detalhe esse novo tipo de relação trabalhista – em que o empregado não seria nem CLT nem um terceirizado. “A decisão [do STF] pode ter muitas peculiaridades que gerem interpretações divergentes. O melhor seria uma legislação para estabelecer os parâmetros desse tipo de relação de trabalho, porque as relações sociais mudaram, mas a legislação não acompanhou”, completa.
A vinculação deste caso da Uber a processos semelhantes, relacionados a outras plataformas de aplicativo, como Ifood, Rappi, 99 e outros, depende da tese que será fixada pelos ministros em um julgamento futuro. A tendência é que todas as plataformas sejam abarcadas, como já indicou Moraes no julgamento da Cabify.